O movimento do mercado de Tecnologia da Informação e Comunicações – TIC, é cíclico, mesmo que sob outro nome, embalagem ou mesmo uma ideia de modernidade. Os dados, que já foram terceirizados para um data center ou mesmo para a nuvem, agora ensaiam um retorno, diante da premissa de que os dados devem estar próximos de onde serão coletados, consumidos ou acessados. Isto significa a volta do bom e velho Centro de Processamentos de Dados – CPD, agora atomizado e distribuído? Não exatamente, porém a Edge Computing – vamos chamar de EC a partir daqui, é a mais nova-velha fronteira da infraestrutura ligada aos dados.
Apesar de ter sua base em um conceito simples, o de aproximar a capacidade de processamento e os dados do local onde serão utilizados pelos clientes, a EC traz altos níveis de complexidade em gerenciamento, como apontam os especialistas. E também tem aspectos positivos, especialmente para a venda de serviços. “Ela cria muitas oportunidades de negócios tanto para plataformas de software quanto de hardware e todos os integradores de soluções”, garante Roberto Brandão, líder de HPC IA para a Lenovo DCG na América Latina.
Algo revolucionário ou evolucionário na TI? Para Wagner Arnaut, CTO Cloud & Cognitive da IBM Brasil, o impacto que a EC provocará pode ser comparado ao da tecnologia 5G na evolução na indústria de tecnologia. “Se anos atrás tivemos o movimento de centralizar a capacidade de processamento em ambientes em Cloud, hoje existe a tendência de levar a capacidade de processamento para a borda. É lá que os dispositivos coletam os dados e enviam para os servidores na nuvem. Todavia, nesse modelo existe uma grande dependência da velocidade de rede de transmissão e aqui a tecnologia 5G entra como habilitador”, completa.
Paradoxalmente a ideia da 5G como impulsionador do conceito de manter o tráfego das informações local, porém distribuído e escalável, traz como consequência uma redução da latência na rede. Ou seja, promove redução nos atrasos de transmissão de dados das redes de comunicação. “Isso se deve às coletas e entregas de conteúdo mais próximas das fontes geradoras, mas é importante entendermos que a Computação de Borda é uma topologia aberta de TI”, pontua Francisco De Paula, head of Sales for ICT Industry Brazil na Red Hat.
A experiência do usuário se altera diante do processamento de dados em tempo real. “Quando você pensa em setores como varejo, bancos, educação e mídia, a tecnologia entrega o que há de melhor. A Edge Computing possibilita o avanço de novas tecnologias e modelos de negócios que irão transformar o mercado”, Rafael Umann, CEO da Azion.
Impacto calculado
As aplicações de EC são múltiplas, evoluindo de games aos serviços financeiros, mídia e também aplicações como Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Realidade Aumentada – AR e Realidade Virtual – VR. Resumindo, o modelo atua em duas frentes principais como define Umann: “na experiência do usuário e no processamento de dados em tempo real, que habilitam e potencializam essas novas tecnologias”.
Não soa estranho, portanto, que uma pesquisa de 2019, do Gartner, tenha apontado que 75% dos dados serão gerados e processados diretamente em Edge até 2025. Afinal, a tal propalada proximidade do processamento com a coleta dos dados tende a gerar grandes benefícios ao negócio. “Tanto na produção de ‘insights’ mais rápidos para tomada de decisão, como na melhoria do tempo de resposta das organizações e até mesmo a melhoria da disponibilidade de banda de comunicação”, explica Arnaut, da IBM, que acredita em impactos em todos os setores da economia, da agricultura ao varejo; do setor industrial à saúde.
Se os ganhos projetados são substanciais na qualidade de serviço e na melhor experiência de clientes, isto demanda tanto um projeto de armazenamento como de processamento de dados distribuído, algo que muitas vezes precisa ser personalizado para cada aplicação. “Realizamos investimentos em pesquisa para o desenvolvimento de sistemas com escalabilidade e flexibilidade praticamente ilimitadas, tanto em sistemas de processamento quanto em storage inteligente dos dados de forma que os sistemas distribuídos possam também atender à variação de demanda e sazonalidades”, explica Brandão, da Lenovo.
As infraestruturas atuais – ‘monolíticas’, como pontua De Paula, da Red Hat, terão de ser modernizadas para um modelo que atenda aos novos centros de dados distribuídos. Isso envolve ainda o aprimoramento da governança e a gestão do ciclo de vida das aplicações voltadas às arquiteturas mais leves em termos de consumo de recursos computacionais. Consequentemente, elas devem ser mais “eficientes, resilientes, escaláveis, consumíveis sob demanda e que explorem com a máxima eficiência os atributos de arquiteturas de microsserviços, com metodologia moderna, dinâmica e flexível de desenvolvimento de aplicações”, completa.
Além disso, com a EC, o cliente não precisa se preocupar com o capacity planning, o conjunto de práticas que buscam elevar a capacidade de entrega dos recursos e planejar sua alocação. Tudo é feito de maneira automática, eliminando a preocupação dos desenvolvedores com o aumento/redução constante de infraestrutura para atender à demanda e reduzir os custos.
Esta tecnologia não concorrerá com Cloud Computing, mas definirá seus caminhos. É certo que a computação em nuvem vem ganhando uma importância cada vez maior no mundo corporativo devido à simplicidade de administração do ambiente, porém com as necessidades de baixa latência e de processamento na ponta que a EC advoga, a nova tendência é que as empresas migrem para a nuvem híbrida. “Chegamos em um período de redução e otimização de custos, sendo a nuvem híbrida uma alternativa muito mais econômica para as empresas, pois elas nos propiciam otimizar a relação custo versus performance versus latência”, aposta Raymundo Peixoto, vice-presidente e diretor geral de Soluções para data center da Dell Technologies para América Latina.
O caminho futuro
A tecnologia abre ainda as portas para outras inovações. Diversas empresas, de todos os tamanhos, podem utilizar-se da EC para desenvolver partes ou todo um sistema distribuído com os mais diversos fins. Desde otimização de processamento e uso de técnicas de Inteligência Artificial até melhorias em infraestrutura de comunicação e segurança. Tanto IA como projetos de Analytics avançado podem se beneficiar, afinal, os dispositivos modernos, além da capacidade de coletar os dados, também executam modelos nas duas tecnologias.
Mover a capacidade de executar esses modelos diretamente no dispositivo ou na borda possibilitará à IA resolver novos problemas de negócio, com uma menor latência e menores custos de transmissão de dados. Casos de uso apresentam grande potencial no País, dado que o Brasil já possui grandes projetos de IA e são referências mundiais. Outro domínio que merece destaque local é a utilização de EC na área agrícola, aproveitando a vocação neste segmento, assim como no setor industrial.
Já em IoT, um dos grandes desafios atualmente é a gestão de inúmeros dispositivos heterogêneos e a transmissão de dados para a plataforma servidora que roda na Nuvem. “Com a capacidade de gerenciar e possibilitar a execução de aplicações nos dispositivos ou próximo à coleta de dados, novos casos de uso de IoT se tornam possíveis”, garante Arnaut, da IBM.
RV e RA
O próximo passo é Realidade Virtual e Realidade Aumentada, que costumam ser prejudicadas ou limitadas por alta latência e largura de banda insuficiente. Como a tríade Cloud-EC-5G são tecnologias essenciais para a evolução da Realidade Virtual e Realidade Aumentada, a Edge ganha espaço. Possibilitar a execução de IA e IoT diretamente em dispositivos de uma maneira gerenciada e baseada em padrões abertos, será fundamental para ampliar os usos e o alcance destas tecnologias nos próximos anos.
Isso se deve à baixa latência propiciada por EC, que trará uma boa experiência de uso em qualquer sistema interativo, desde plataformas educacionais baseadas em RV-RA e entretenimento com jogos eletrônicos até sistemas de cobrança automática, reconhecimento de imagens e segurança, por meio da detecção e reação em tempo hábil frente a situações adversas. “Sistemas de RV-RA têm um limite bastante importante, baseado na fisiologia humana: se o sistema demorar mais de dois milésimos de segundo para responder a uma ação, uma movimentação da cabeça usando um óculos de RV, por exemplo, o usuário tem grandes chances de começar a sentir náuseas, algo bastante desagradável. O que aumenta a necessidade da EC ao proporcionar baixa latência”, ensina Brandão, da Lenovo.
Benefício no canal
O executivo da Lenovo antecipa que a EC abre muitas oportunidades de negócios, não apenas no fornecimento de equipamentos e soluções, como também no serviço de instalação e manutenção dos sistemas. Além disso, a flexibilidade e escalabilidade normalmente exigida pelos clientes pode gerar negócios adicionais constantemente, com a ampliação e o aumento da capacidade de partes específicas do sistema.
Para integradores e canais, a EC representa uma grande oportunidade de negócios, no curto, médio e longo prazos. Com a popularização da plataforma, existirá uma necessidade eminente de desenvolver e portar aplicações para serem executadas diretamente nos dispositivos de borda. Além de toda uma nova demanda em canais especializados em IA, IoT e RV com a maior demanda por estas tecnologias na ponta.
As novas tecnologias representam uma grande oportunidade para impulsionar as vendas dos parceiros, porém é preciso estar atento. “Sempre recomendamos que os canais tenham uma abordagem consultiva. Aqueles que abraçarem as mudanças, se atualizarem diariamente e aproveitarem a fundo as novas tecnologias, poderão obter vantagem competitiva em relação aos seus pares”, pondera Peixoto, da Dell.
O executivo acredita que os canais mais bem-sucedidos serão aqueles capazes de levar para seus clientes as inovações e serviços com mais agilidade. Para isso, ele ensina, “é importantíssimo participar dos treinamentos que as fabricantes oferecem e, principalmente, dos programas de certificações em soluções. Oferecemos iniciativas de capacitação e investimento em diversas áreas, com eventos direcionados a segmentos específicos, que servem como uma oportunidade de interagir com os clientes presencialmente”, completa.
DePaula, da Red Hat, também acredita em oportunidades importantes para os integradores, e faz uma projeção: “os projetos de grande porte relacionados à indústria de TI e Telecom sempre dependeram dos grandes provedores de soluções para a entrega de soluções fim a fim, pré-integradas, mas os canais que estejam capacitados e dispostos a integrar tais soluções terão um novo mercado adiante”. Olhando para os canais e a postando na produção de conhecimento dos integradores, a Azion criou um marketplace para a publicação de soluções que podem ser consumidas pelos seus clientes de EC.
Neste mesmo campo, outra oportunidade é a integração entre os fabricantes de dispositivos e as aplicações já desenvolvidas. Os canais podem aproveitar e embarcar os agentes de EC nos equipamentos, ou mesmo comercializar os dispositivos já preparados para o gerenciamento autônomo.
Efeitos colaterais
Mas o que se entende por gerenciamento autônomo? Se escala, segurança, heterogeneidade e governança são os principais desafios para implementação da EC, é nesse contexto que surge essa nova abordagem chamada: gerenciamento autônomo. Com ele, ações de administração como negociação, acordos de conectividade, gestão de políticas declarativas, execução e validação, são autonomamente estabelecidas entre o Edge Server e o Edge Device. Neste modelo, quando um novo endpoint é disponibilizado e o agente de Edge Computing está instalado, automaticamente todos os componentes e pré-requisitos para aquele dispositivo são instalados, configurados e gerenciados autonomamente sem intervenção manual. Saiba ainda mais no destaque ‘Um novo modelo de gestão’.
Esse é um componente do universo que se abre com a EC. Porém, há efeitos colaterais – para o bem e para o mal – que a plataforma pode ter tanto para os clientes, como para os canais, afinal, existem desafios ou barreiras de implementação exatamente por sua escala altamente distribuída. Com ele, muitas tecnologias de gerenciamento de dados e recursos precisam ser implementadas. “Acredito que o maior desafio seja sempre garantir a coerência dos dados, para que seja possível ter a certeza de que as informações estejam coerentes através de todo o sistema, propagando alterações em cópias armazenadas. Essa exigência poderia eliminar muitas vantagens trazidas pela EC, como o rápido tempo de resposta do sistema; Por outro lado, sua falta também pode abrir oportunidades de ataques à segurança e inconsistência dos dados no sistema”, pondera o executivo da Lenovo.
A boa notícia é que essa tecnologia de coerência de dados já é implementada eficientemente em vários pacotes de sistemas distribuídos e que tem sua funcionalidade garantida por soluções de storage inteligentes e resilientes. Menos mal! Veja mais em ‘Receita para os arquitetos’.
Também é fundamental ter um provedor de infraestrutura presente no mercado com capacidade de oferecer escalonamento e serviços necessários para toda a operação. “Cumprimos este papel com um portfólio amplo para EC, mas esse avanço também depende de uma cobertura de canais especializados nas tecnologias e no ambiente de implementação de EC. Temos parceiros com essas competências, mas ainda existe espaço e oportunidade para crescimento, com mais canais e maior alcance”, projeta Peixoto, da Dell.
Em um tempo que se fala de Transformação Digital sem parar, a maior barreira para a EC no horizonte é a da Transformação Cultural. A necessidade de desenvolver equipes multidisciplinares e times colaborativos com visões complementares, evitando a formação de silos dos tradicionais sistemas legados, e que busquem encurtar o tempo de adoção e disseminação tecnológica depende, e muito, da integração entre as pessoas. Em resumo, mesmo que a recompensa soe como promissora, a Edge Computing não é tão simples assim.
Edge e Cloud juntos
Sistemas de dados distribuídos e implementação de ambientes redundantes e tolerantes a falhas fazem parte de um projeto baseado em Edge Computing. Entretanto, muitas vezes as empresas precisam replicar recursos para aprimorar a confiabilidade e a disponibilidade do sistema, dependendo de links de acesso menos confiáveis ou de baixa capacidade. Nesse sentido, a interoperabilidade com sistemas de nuvem, tanto híbridas quanto privadas, deve se tornar bastante natural e pode ser usada também para aumentar a disponibilidade do sistema como a confiabilidade dos dados.
Hoje, boa parte dos sistemas das organizações está rodando em Cloud, e em centenas de servidores homogêneos localizados em centenas de data centers. Com a EC, esse número subirá exponencialmente para muitos milhares e milhões de servidores e dispositivos heterogêneos, com milhares de localizações remotas e de novas localizações e servidores continuamente adicionados. Ou seja, haverá uma escala nunca imaginada da Computação Distribuída.
A Edge se apresenta como um modelo computacional que se utiliza dos mesmos alicerces da Computação em Nuvem, como a alocação dinâmica de recursos e a entrega contínua de software. As corporações têm o potencial fazer suas virtualizações em nuvem pública, privada e híbrida. Vários workloads criados em Cloud, que incluem aplicações de Analytics avançado e Inteligência Artificial, podem ser migrados da nuvem para os Edge servers ou Edge devices, com o objetivo de se beneficiar da proximidade do local no qual os dados são produzidos e coletados, para que depois possam ser preparados, transformados e otimizados no Edge e então enviados para armazenamento na Cloud.
Ao final, EC e Cloud são conceitos complementares, sem nenhuma concorrência por espaço? “Não será possível substituir o Cloud pelo Edge em 100% dos casos. No entanto, a EC vem substituindo o Cloud em um conjunto cada vez maior de aplicações, que proporcionam mais agilidade, inteligência, confiabilidade e redução de custos, especialmente em serviços de base de dados, storage e backup”, admite Umann, da Azion.
Como o processamento da informação acontece mais próximo do usuário em EC, a redução de custos é significativa. Um exemplo disso é que o cliente tem a possibilidade de analisar, transformar e descartar dados que não são necessários, antes de salvá-los na nuvem, reduzindo os custos de tráfego, processamento e de armazenamento de dados.
Receita para os arquitetos
Existem três principais pontos críticos relacionados à Edge Computing que os arquitetos de TI devem considerar para qualquer solução eficaz, como explica a Dell:
-Tomada de decisões rápidas: a redução da latência permite uma ação mais rápida, das pessoas e de dispositivos inteligentes, como evitar colisões no tráfego ou agir para evitar a falha dos equipamentos de uma fábrica.
-Rapidez para gestão de dados: a compactação e limpeza de dados perto da fonte de dados reduz o custo de transporte e computação na nuvem, garantindo o melhor uso dos recursos de computação em todos os pontos da infraestrutura de TI.
-Segurança para operações locais: cada ponto de acesso adicional aumenta a área de ataque e apresenta uma oportunidade adicional de invasão. A EC exige que os nós de computação sejam projetados desde o início, tendo a segurança integrada em mente.
Um novo modelo de gestão
Na área de operações, dado o volume e heterogeneidade dos Edge devices e Edge servers, espera-se cada vez mais a implementação de modelos de Gerenciamento Autônomo. Por esta alcunha leia-se: diversas atividades desempenhadas pelo administrador de sistemas que são realizadas de forma automatizada.
Para materializar, vamos a um exemplo: você é dono de uma fábrica e continuamente têm que lidar com o risco de uma parada na linha de produção que, em geral, está relacionada a problemas com o equipamento para fabricação. Você tem sensores e câmeras instalados a eles, monitorando a linha de produção e enviando dados para a nuvem. Mas e, se diante de um conjunto de alertas, aquele sistema tivesse a capacidade de processar os logs em conjunto com as imagens capturadas da linha de produção e, via algoritmos de IA, pudessem tomar ações para remediar os potenciais problemas? É aí que a Edge Computing pode entrar em ação.
No caso de estruturas físicas – lojas, agências, escritórios etc -, os clientes podem orquestrar aplicações de EC de forma simples e com acesso a um grande conjunto de funcionalidades. Um exemplo clássico é o seu uso para aplicações de Point of Sale – PoS, do Varejo. “Ao mesmo tempo em que a tecnologia aumenta a performance, segurança, disponibilidade e escalabilidade do serviço, ela pode trazer funcionalidades de IA para reconhecimento facial e checkout automatizado, por exemplo”, projeta Rafael Umann, CEO da Azion.
Leia nesta edição:
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