A Internet brasileira tem acelerado a adoção do IPV6. De abril de 2023 até fevereiro último, o uso do padrão de IP – que hoje coexiste com seu antecessor, o IPv4 e, em algum momento, irá substituí-lo por completo – saltou de 43% para 48% entre os que integram o ecossistema da Web no País, o que representa a 22ª colocação no ranking global, conforme levantamento realizado pelo APNIC (Asia-Pacific Network Information Centre). Já segundo o Global IPv6 Development Report 2022, produzido pela consultoria global Roland Berger, o Brasil ocuparia a 12ª posição no mundo. Ambos os estudos integram o artigo técnico “IPV6 no Brasil”, apresentado por Huawei, Anatel e Inatel na última edição do Mobile Word Congress, realizado no início do ano em Barcelona. Embora animadores, tais resultados devem-se muito ao desempenho de número limitado de agentes e alguns segmentos. O contexto geral evidencia que há um longo caminho até que a transição se complete por aqui.
Grandes operadoras garantem boas posições para o país nestes rankings há anos. Ao menos desde em 2023, segundo a Anatel, Algar, Vivo, Claro, Sercontel, TIM e Oi estão integralmente convertidas ao IPv6. Da mesma forma, também por conta das teles, está a telefonia móvel que já opera sobre o novo padrão de IP, contando, inclusive, com grande adoção no que se refere aos dispositivos dos usuários finais, os smartphones.
Ocorre que, a partir de 2020, os provedores regionais aceleraram a disseminação da banda larga, num crescimento que fez sua participação chegar a 53% da oferta de acessos fixos no País. Estes, ao invés do IPv6, valeram-se do CGNAT para, agrupando de centenas a milhares de conexões sobre um mesmo IP, levar a Internet a localidades que não despertavam o interesse comercial das grandes teles.
Embora o artigo apresentado no MWC registre a baixa adesão ao IPv6 entre essas empresas, ele não dimensiona o problema. Outro dado da Anatel serve para, pelo menos, dar uma ideia do seu tamanho. Durante as discussões sobre a Resolução 765 na agência, o conselheiro Vicente Aquino apresentou, no final de 2023, um estudo segundo o qual 93% dos provedores ativos no país dispunham de menos de 5 mil acessos. Como a adoção do novo protocolo envolve investimentos e estas empresas, além de serem de pequeno porte, disseminaram-se graças ao uso do Nat sobre o IPv4 – que possibilitava a oferta de grande volume de conexões sem que fosse necessária a aquisição de lotes similares de IPs – é plausível supor que a maioria absoluta deste contingente não tenha realizado a migração.
Isto é um problema para as empresas? Sim, e grave, em muitos aspectos. Em alguns outros, ao menos no curto prazo, não. É importante que ISPs de menor porte disponham do IPv6, até por atuarem em regiões que, simultaneamente ao seu crescimento e multiplicação, passaram a abrigar novas empresas de diferentes segmentos. Em meio à pandemia, acelerou-se a descentralização econômica. Pessoas migraram de grandes centros para áreas rurais e litorâneas. Consigo, levaram serviços – tanto a oferta, a partir de empreendedores, quanto a demanda, com a chegada de novos habitantes e suas exigências.
Esse movimento demanda um nível de qualidade de conexão que o IPv6, muito mais que seu antecessor, é capaz de proporcionar. Como diz o artigo, o uso do “CGNAT-44 no IPv4 se estabeleceu com o esgotamento de seus endereços. A dependência prolongada desse serviço, necessário para o crescimento da rede, leva a uma piora no desempenho das conexões e a um aumento de custo e complexidade”. Acrescenta ainda que “há aplicações que requerem baixa latência na comunicação e existem usuários que hospedam serviços, necessitando de um endereço IP único. Nesses casos, o NAT compromete drasticamente a funcionalidade da rede”.
Essa necessidade é particularmente crítica para as indústrias que, por darem preferência a áreas periféricas ou o entorno de grandes centros a e à proximidade de rodovias, acabam, em boa medida, instalando-se em regiões atendidas por PPPs. Para elas, a dependência do novo padrão surge particularmente por conta do IoT.
Além da comunicação entre máquinas ser condicionada a IPs individualizados, algumas das possibilidades mais valorizadas da Internet das Coisas demandam baixíssima latência. Exemplos são a manutenção preditiva e a capacidade que ela dá aos dispositivos para que estes corrijam eventuais falhas na produção. Esses são comprometidos – quando não inviabilizados – pelo IPv4.
Outros pontos abordados por Huawei, Anatel e Inatel referem-se à segurança de dados, principalmente a partir de serviços como Internet Banking ou Governo Eletrônico. Conforme explicam os autores, a varredura de redes, etapa inicial de parte significativa dos cyber crimes, torna-se, se não inviável, tarefa muito mais complexa e demorada em redes que operam sobre IPv6. Por si só, essa abordagem evidencia como a migração é imperativa por aqui, já que, segundo o artigo, o Brasil foi o país que mais registrou ataques de segurança cibernética na América Latina em 2022, com 7,5 bilhões ocorrências.
Observa ainda o estudo que as limitações do IPv4 acabam também favorecendo a ação de criminosos por dificultar a individualização de IPs, o que muitas vezes inviabiliza investigações criminais por conta da dificuldade de identificar as ações de suspeitos no ambiente online.
O consumidor final percebe a diferença de uma conexão fornecida via CGNAT sobre IPv4 e a via IPv6? A qualidade será melhor, o tráfego mais rápido e aumentará a estabilidade do sinal, o que favorece a satisfação do cliente, algo fundamental para os provedores regionais, que vivem intensa competição com seus pares. Porém, não é sempre que isso ocorrerá e muitos usuários não notarão qualquer melhora.
Não adianta o ISP dispor do IPv6 se o aparelho do usuário final operar apenas em IPv4. Embora a Anatel homologue apenas aparelhos aptos às duas versões, boa parte dos que estão em uso hoje o faz apenas na antiga. Dentre esses, destacam-se as smart TVs que, conforme o artigo, geralmente são incompatíveis com o novo protocolo. O estudo não menciona isto mas estes formavam, em 2022, o segundo grupo de dispositivos mais utilizados por brasileiros para acesso à Web, com participação de 47,5%, conforme o módulo Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgado em novembro pelo IBGE.
Perceptível ou não ao consumidor final, o ISP de menor porte deve migrar o quanto antes para o IPv6. Além de as oferta de conexões viabilizadas apenas no padrão anterior restringirem seus mercados – por não atenderem às necessidades de muitos usuários –, os blocos de IPv4, que se tornaram escassos já em 2015, esgotaram-se na LACNIC, região em que o país está, em 2020. Conforme o NIC.br, a fila de espera de solicitações de IPs no protocolo antigo chega a seis anos. A adoção do CGNAT sobre o IPv4, como observa o estudo, era um paliativo até que a migração para o novo padrão fosse concluída. Nota-se que esse processo está acelerado. Portanto, quem não acompanhá-lo se verá, em breve, sem condições para competir.
Por Fabio Vianna Coelho, sócio da VianaTel.
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Carvalho.
Um ponto que ficou fora da abordagem é, talvez tão importante quanto, o fato de muitos sites/serviços na Internet não terem suporte ao IPv6. Os grandes players (Alphabet, Meta, Netflix, Amazon, etc…) tem suporte. Já outros, não. E neste último eu cito a Sony com o PlayStation (5). O console já tem algum suporte ao IPv6 mas, a PSN só funciona em IPv4. A alguns anos vi um teste que foi feito para identificar o fundamento do IPv6 no PS5 e, o máximo que era feito eram algumas consultas DNS e uma tentativa de conexão. O restante? Tudo IPv4. Ou seja, tinha e não usava. Aí fica complicado quando a gente vê na página de suporte da PSN ser recomendado desligar o IPv6 da rede do cliente em casos de problemas. E onde são os problemas? No IPv4…