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O papel dos provedores regionais no Plano Nacional de Inclusão Digital

Um grupo de trabalho formado por representantes dos Ministérios das Comunicações e da Casa Civil tem, a contar de 2 de junho, até 180 dias – 90 prorrogáveis por igual período – para elencar os principais pontos do que virá a ser o plano nacional de inclusão digital, que deverá, conforme o decreto que determina o início dos trabalhos, proporcionar “conectividade universal e relevante” em todo o país.

A estratégia que começa ser criada norteará as ações do novo governo voltadas à erradicação da falta de acesso à Internet, algumas delas já em curso, como a liberação de R$ 1,27 bilhão em linhas de crédito – a maior parte provenientes do FUST, que é utilizado pela primeira vez desde sua criação – destinadas à ampliação e modernização de redes em áreas periféricas e rurais. Tanto o que já é feito quanto a localização da maior parte do público a ser inserido no ambiente online deixam claro que os provedores regionais, além de prioritários, serão os maiores beneficiados pelas políticas públicas de telecomunicações nos próximos anos. O segmento ganhará impulso adicional para continuar crescendo o que, diferente do que muitos afirmavam, nunca deixou de acontecer.

Após o salto de 32,6% entre janeiro de 2018 e dezembro de 2021, o número de conexões ativas permaneceu estável por alguns meses em 2022, o que foi interpretado por muitos como sinal do esgotamento da demanda por banda larga e consequente fim da capacidade de crescimento orgânico dos ISPs.

Essa visão deu impulso extra à onda de M&As no segmento, patrocinada por investidores que nunca perderam o interesse por essas empresas. A lógica ainda hegemônica é de que, num mercado inchado em que a demanda por novas conexões não mais existiria, a expansão das PPPs só seria possível a partir de fusões e aquisições.

A estratégia que começa ser criada norteará as ações do novo governo voltadas à erradicação da falta de acesso à Internet, algumas delas já em curso, como a liberação de R$ 1,27 bilhão em linhas de crédito – a maior parte provenientes do Fust

Essa estagnação do número de acessos à Web, porém, nunca se realizou. Entre dezembro de 2021 e março último, 4,3 milhões de novos acessos foram ativados e a participação dos provedores regionais na oferta de conexões fixas foi de 46,6% a 51,6%. Havia demanda ainda relevante por ser atendida e, além dos que resultaram de M&As, muitos ISPs cresceram e isso a partir da oferta de banda larga a quem ainda não dispunha do serviço.

É importante observar que essa expansão – muito inferior ao de anos anteriores, mas ainda expressiva – ocorreu sob condições bastante adversas. Dentre outros, pela dificuldade das empresas em instalar novas redes aéreas o que, segundo a Abrint, é o maior entrave ao crescimento da banda larga no país.

Relatos nesse sentido não faltam. Em janeiro, o Sindicato das Empresas de Internet da Bahia acusou a Neoenergia Copel, concessionária local de energia, de levar até cinco anos para avaliar projetos de redes de telecomunicações – sendo que o prazo estabelecido pela Resolução Conjunta (Aneel, Anatel e ANP) Número 1, de 1999, nos parágrafos 1º e 3º de seu artigo 11º, é de 90 dias.

Em Minas Gerais, recente medida cautelar determinou que a Cemig atualize seu cadastro de ocupação de postes, o que, por não ter ocorrido, supostamente, ao longo de anos, – o que caracterizaria descumprimento do artigo 9º da Resolução Número 4 (Anatel e Aneel) – dificultava e encarecia a realização de projetos de compartilhamento de infraestrutura pelos ISPs.

Em Suzano, no interior de São Paulo, ainda em maio, equipes de instalação de redes a serviço de provedores estavam – e algumas, provavelmente, continuem – sendo alvo de autuações, multas e até apreensões de veículos e encaminhamento de funcionários a delegacias. Essas ações, que decorriam de lei e decreto municipais voltados ao combate à poluição visual resultante de fiação em postes, estão suspensas, pelo menos no caso dos associados da Abramulti, autora da ação judicial que resultou em medida cautelar – demais ISPs não são contemplados pela decisão.

De tão comuns, ocorrências do tipo tornaram o direito de passagem em postes ativo decisivo na concretização de fusões e aquisições de provedores, conforme análise do BTG Pactual divulgada em março.

Mesmo nesse cenário, a Internet cresceu a partir dos ISPs e, ainda que os M&As se justifiquem, dentre outros, pela elevada pulverização do segmento, os provedores tinham, mesmo sem participar dessas operações, condições para aumentar suas carteiras inserindo novos usuários de banda larga no mercado. Com as políticas públicas em andamento e por vir, isso chegará a outro patamar.

Além de 60% dos lares que não dispõem de conexão pertencerem a famílias das classes D e E, os valores dos pacotes de dados são a principal razão apontada para a falta de acesso: 28% conforme o estudo do CGI-br

Para que possa haver um plano de universalização, o grupo interministerial se valerá de dados oficiais para dimensionar o contingente de pessoas a serem conectadas, os mesmo que serviram para atestar a chegada da banda larga ao teto. Conforme o IBGE, 90% das residências do país dispunham de conexão entre 2020 e 2021. Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-br), seriam 80% no ano passado. Aparentemente, se a capacidade de crescimento da base de usuários não se esgotara, estava em vias de fazê-lo.

Os mesmo estudos, no entanto, apontam número significativo de famílias a serem conectadas em áreas rurais – 25,3% de acordo com dados do IBGE e 32% com os do CGI-br –, justamente as atendidas pelos provedores regionais.

Há ainda demanda significativa por banda larga e esta deverá ser ampliada pelo futuro plano. Conforme o Decreto 11.542, de 1º de junho de 2023, a estratégia para inclusão que está por vir deverá promover o “letramento digital” e impacto na prestação de serviços públicos no ambiente online. Ambos, se contemplados, poderão reverter duas das principais resistências dos que ainda não ingressaram na Web por suposta opção. O estudo do CGI-br registra que, entre os que nunca acessaram a Internet, falta de interesse (26%) e de habilidade com o uso de dispositivos (16%) figuram entre as principais justificativas. Tanto os benefícios proporcionados pela navegação quanto sua prática em si deverão ser alvos de campanhas educativas.

Dentre os fatores que mantêm pessoas distantes da Internet, mais relevantes ainda são, obviamente, os de ordem econômica. Além de 60% dos lares que não dispõem de conexão pertencerem a famílias das classes D e E, os valores dos pacotes de dados são a principal razão apontada para a falta de acesso: 28% conforme o estudo do CGI-br.

Nesse sentido, o decreto determina que haja “acesso a preços razoáveis, de qualquer ponto do território nacional”. Sinaliza, assim, a criação de subsídios aos consumidores finais e respectivas compensações aos provedores. A intenção de baratear os planos de acesso a esse público foi citado ainda em dezembro pela equipe de transição, que tornou pública a ideia de se criar uma espécie de “bolsa Internet”.

Apesar das boas expectativas que as ações do governo levam para o segmento, elas também apontam para a redução acelerada do número de empresas no mercado. Além de nova onda de capital – os investidores estão atentos às movimentações citadas aqui –, com crescimento do número de M&As, empresas que não acessarem os benefícios já disponibilizados e os que estão por vir sucumbirão à concorrência.

O poder regulador terá participação nisso. Ainda é cedo para saber qual será a função da Anatel nesse futuro plano. É certo, porém, que este será fundamental. Na verdade, já é.

Por ora, as ações novo governo voltadas à universalização do acesso à Internet limitam-se, na prática, às linhas de crédito criadas a partir de R$ 1,17 bilhão em recursos do FUST e de R$ 100 milhões do FUNTTEL. No primeiro, a agência é o agente arrecadador; no outro, fiscaliza os valores devidos. Não é difícil supor que a falta de recolhimento dessas contribuições façam provedores serem preteridos no momento da concessão desses financiamentos.

Já que a intenção do governo é inserir pessoas no mundo online, é de se esperar também que a Anatel dê novo peso ao cumprimento de obrigações básicas dos provedores, como o envio de suas coletas mensal, semestral e anual cujos dados, em última instância, servem justamente para que a agência disponha das informações necessárias para elaborar políticas voltadas à inclusão digital, como a que o Poder Executivo começa a desenvolver.

Todas as sinalizações são de que o segmento receberá estímulos suficientes para dar um novo salto. Os ISPs que atenderem aos requisitos necessários para usufruí-los poderão, além de acessar novos e amplos públicos, obter a competitividade necessária para permanecerem em um mercado que se tornará ainda mais competitivo.

Por Fabio Vianna Coelho, sócio da VianaTel.

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