A queixa é antiga, mas foi particularmente intensa no World Mobile Congress, realizado na virada de fevereiro para março de 2023, em Barcelona. Grupos mundiais de telecomunicações reiteraram em uníssono a necessidade de que empresas geradoras de tráfego como, YouTube e plataformas de streaming, passem a investir nas redes de transmissão que viabilizam seus negócios – fontes de tráfego pesado e receitas extraordinárias, das quais as teles não participam.
Por meio de seus mais importantes executivos, a Telefónica afirmou que “é hora de colaboração entre empresas de tecnologia, big techs e indústria”; a Orange, que tem dificuldade em monetizar seus investimentos em infraestrutura. A Deutsche Telekom, que investiu 55 bilhões de euros em redes contra apenas 1 bilhão de euros das empresas de Internet, segundo seu CEO, Tim Hottges, que considera o quadro “algo injusto”. O discurso não sensibilizou Greg Peters, da Netflix, que descartou a possibilidade de a empresa destinar recursos a tal fim, até porque seus aportes em geração de conteúdo seriam da ordem de US$ 60 bilhões nos últimos cinco anos, o que, diz ele, gerou produções atraentes o bastante para impulsionar o uso da banda larga.
Conforme alegam, as operadoras funcionariam como autoestradas submetidas a tráfego intenso e pesado por viabilizarem acesso a destinos concorridos sem que seus pedágios produzam remuneração que as tornem rentáveis ou sequer compensem a realização das melhorias necessárias ao seu uso, o que se agravará à medida que o 5G se dissemina.
Numa escala menor – mas, em termos territoriais, continental –, os problemas com sobrecarga de redes atingem também os ISPs brasileiros, o que não poupa nem os que dispõem de infraestrutura em boas condições – próprias ou de terceiros, via compartilhamento de redes – para atender a seus clientes. Ocorre que, nesses casos, como não há protagonismo de big techs nem de grupos globais de telecomunicações, não há atenção da mídia e assim, principalmente pela fala de comunicação, o uso intensivo dos sinais por seus clientes acaba se tornando problema sério para provedores.
O salto na participação dessas empresas na oferta de banda larga no país – hoje, superior a 40% – decorreu principalmente da explosão da demanda por banda larga a partir da pandemia. Provedores puderam crescer e se multiplicar até a saturação do mercado levá-los a uma onda de concentração e uma competição intensa, na qual o aumento de receitas, antes resultante do fornecimento de novas conexões, passou a resultar de serviços adicionais, como streaming e outros baseados em sinais de Internet.
Ocorre que essas novas ofertas consumiam muitos megabits do seu serviço principal, o acesso à Internet. Os provedores mais atentos, prevendo a possibilidade de problemas futuros, condicionaram vantagens, como descontos na oferta de novos serviços, à contratação de velocidades maiores de conexão.
Porém, precavidos ou não, ISPs não têm como controlar a navegação de seus clientes, que se volta a usos que consomem muito da banda fornecida, comprometendo não apenas a qualidade da conexão, mas até mesmo a própria Internet.
Preocupações quanto ao esgotamento da capacidade da Web não são recentes. Já em 2008, o então VP de assuntos regulatórios da AT&T, Jim Cicconi, previa, para dali a dois anos, o colapso da Internet, algo inevitável, segundo ele, por conta do “congestionamento brutal” provocado na época por downloads de vídeos e envios e uploads de imagens. “Em 2011, apenas 20 residências norte-americanas poderão gerar mais tráfego do que toda a Internet mundial hoje.”, afirmava na época.
Não foi o que aconteceu, mas as preocupações não cessaram. Em 2020, em meio ao isolamento social imposto pela pandemia e a consequente explosão do consumo de vídeos via Web, Netflix, Amazon Prime, Disney+ e Apple TV reduziram a definição de seus vídeos na Europa, atendendo a solicitação da União Europeia, que se preocupava com a paralisação da Internet por conta do excesso de tráfego. O YouTube estendeu a medida a todo o planeta.
E, de lá pra cá, tanto o número de aparelhos conectados quanto a média de megabits consumidos por conexão só crescem. Opções de serviços com essas características não param de surgir, se diversificar e conquistar adeptos.
No mercado de streaming, onde até poucos anos atrás havia só Netflix, surgiram Disney+, HBO Plus, Star+ e tantos outros similares. Ao mesmo tempo, multiplicaram-se os podcasts que, antes restritos às plataformas de áudio como o Spotify, passaram a contar com imagens no Youtube, onde conquistaram audiência elevada e fiel. As redes sociais se multiplicaram e serviços telefônicos migraram para o WhatsApp que, como os demais citados aqui, serve à transmissão simultânea de áudio de vídeo.
Enquanto esse quadro se formava, número considerável de pessoas passou a trabalhar de suas casas. Sobrecarregado, o sinal de Internet se torna instável, cai ou trava, não uma, mas várias vezes. Aí, a irritação do jovem que perdeu a partida no Fortnite, da moça que não pôde acompanhar a eliminação naquele reality show, do torcedor ansioso que perdeu o gol do ou contra seu time – casos que, não raramente, dão-se simultaneamente sobre um mesmo sinal de Internet – soma-se à revolta do profissional que, offline, se viu impedido de participar de uma reunião importante da empresa ou de apresentar as vantagens de seus serviços a um prospect. Todas as energias geradas por essas situações serão canalizadas para aquele que fornece o sinal de Internet. No país, em quase metade dos casos, serão ISPs.
Não deve ser coincidência que, entre quase 82 mil usuários de serviços de telecomunicações, o índice mais baixo de satisfação apurado pela Anatel refira-se à banda larga.
A perda de clientes pelas grandes teles pode reduzir sua lucratividade, gerar cobranças de acionistas e das matrizes e até motivar mudanças de equipes e estratégias. Mas elas não correm riscos iminentes. Já para os PPPs, que atuam em um mercado cada vez mais concorrido e enxuto, a redução nas carteiras tem consequências, nos curto e médio prazos, muito mais dramáticas, como a depreciação de ativos perante potenciais compradores em meio à atual onda de aquisições, a perda de mercado e a falta de condições para competir, o que pode resultar no fim do negócio.
A excelência na gestão de clientes passou a ser fundamental para os ISPs, que precisam de ferramentas que os auxiliem nesse sentido. A Inteligência Artificial voltada aos negócios, a Business Intelligence, possibilita o acompanhamento em tempo real de todas as variáveis da operação de uma empresa. No caso dos provedores, o ideal é que a BI seja integrada a seus softwares de gestão, ferramenta que todos eles necessitam a partir de certo número de clientes.
A Business Intelligence possibilita que o gestor acesse, a partir de poucos cliques, todas as chamadas de usuários relacionadas, dentre outros, à lentidão. Com base nos dados de consumo e pacotes contratados, pode-se, dependendo da situação, convencer os clientes, com base no seu consumo médio de dados, a contratar novas velocidades de conexão.
As chamadas, porém, podem resultar de falhas na rede. A BI possibilita o monitoramento dos sinais por nível de desempenho, dentre outros, a partir de mapas. Com essa informação, gestores podem acionar equipes para a realização de reparos nas redes, antes mesmo que clientes percebam o problema.
Há ainda outra situação comum, em que, mesmo dispondo de velocidade adequada a partir de um sinal com boa qualidade – o que a BI informará –, o consumidor se queixa lentidão quando acessa a Internet. Nesses casos, o problema pode ser o sinal de Wi-Fi, que pode estar comprometido tanto pela localização do roteador quanto pelas suas condições e qualidade. Alguns provedores valem-se dessas ocorrências para, com a oferta de instalação de sistemas wireless, garantir a satisfação do cliente e obter nova fonte de receita.
Se serviços adicionais são a origem hoje dos ganhos de receitas dos ISPs, é o sinal fornecido que possibilita essas ofertas. A rapidez na identificação do que pode gerar queixas clientes com relação às suas conexões à Web possibilita tanto a realização de ações preventivas quanto eficácia na resolução de problemas, o que gera fidelização.
Por Fabrício Viana, sócio da VianaTel e da RadiusNet.
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