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Vamos falar de Negócios – o Dilema do Ecossistema

Clayton Christensen, no seu brilhante livro “O Dilema da Inovação”, introduz o conceito da Inovação de Ruptura, fundamental para entender o que ocorre no mercado atual de Tecnologia. O livro, resultado de uma pesquisa de doutorado em Harvard, tinha o objetivo de responder a uma única e intrigante pergunta: por que grandes, sólidas e bem administradas empresas de tecnologia estão quebrando? No final da década de 80 e início da década de 90 esse fenômeno começou a ocorrer com tanta frequência no nosso mercado específico que chamou a atenção de estudiosos de gestão, e as surpreendentes conclusões são um verdadeiro manual de sobrevivência para empresas e ecossistemas de tecnologia, pois somos especialmente vulneráveis a esse tipo impactante de inovação.

Novos produtos, novos serviços, novas tecnologias, inovações de todos os tipos surgem o tempo todo, em grande velocidade, particularmente no mercado de Tecnologia. Entretanto, Christensen percebeu que existem dois tipos de inovação muito diferentes, uma que aprimora, evolui e aperfeiçoa o que já oferecemos, muito valorizada e desejada por nossos clientes, chamada de Inovação Incremental, e um outro tipo de inovação que surge de forma mais esporádica, que cria um conceito novo, com características que eventualmente antecipam uma tendência ou necessidade, mas que na prática o nosso mercado ainda não pediu (a inovação anda mais rápido que o mercado), e cujas características nesse momento o mercado ainda não parece valorizar.

Essas são as Inovações de Ruptura, aquelas que realmente mudam o mercado, oferecendo a princípio características que esse mercado estabelecido das grandes empresas ainda não deseja, nem considera precisar. Portanto, você não vai descobrir ou criar uma Inovação de Ruptura ouvindo o que seus clientes querem, fazer isso contribui apenas para as Inovações Incrementais, se você ouvir seus clientes atentamente (coisa que sem dúvida você precisa fazer) chegará à conclusão que não existe um mercado para essas Inovações de Ruptura, eles dirão a você que até acham o conceito interessante, mas nesse momento não querem, não precisam, não confiam, não acreditam, ou tudo isso junto (soa familiar?).

Dizem que Henry Ford teria dito que, se ele perguntasse a seus clientes o que eles desejavam, eles teriam respondido que desejavam carruagens mais rápidas. Então, quando a ideia para um novo produto com essas características surge numa empresa de Tecnologia, elas podem até tentar vendê-lo para os seus clientes e interlocutores tradicionais, mas esses dirão que não precisam daquilo, e naturalmente gestores e empresários de bom senso voltarão suas energias para o que seus clientes e interlocutores tradicionais querem e pedem, afinal é isso que paga as contas (Christensen diz que grandes empresas são “mantidas cativas por seus clientes”).

Todos os processos e toda cultura corporativa, especialmente nas organizações maiores, existem para que aquilo que funciona bem continue funcionando da mesma forma, para que padrões de sucesso sejam obedecidos, e para que os clientes sejam atendidos, tudo foi feito para impedir que coisas como as Inovações de Ruptura recebam atenção, pois os clientes dizem não querer, o mercado parece inexistente, os riscos parecem elevadíssimos, as margens são menores, qual empresa em sã consciência deixaria de lado seus clientes e produtos tradicionais para investir recursos nessa aventura?

Na realidade, mesmo que isso seja uma decisão estratégica da alta gestão (e muitas vezes é), Christensen descobriu que toda a organização (pessoas, processos e cultura) resiste de forma natural e intensa a essa mudança, frustrando muitos projetos de reposicionamento corporativo, pois as empresas estabelecidas dentro dos mercados consolidados (os ecossistemas expandidos, que Christensen chama de Redes de Valor) não veem sentido, valor ou utilidade nessas inovações num momento inicial, por não existir ainda um caminho claro e definido de como se faz dinheiro de forma consistente e significativa com esses produtos. Pode parecer incoerente, mas não existe nada de errado nessa resistência, qualquer profissional bem preparado e preocupado com o sucesso da sua organização faria o mesmo, levando em consideração que desejamos maximizar os resultados pessoais, os resultados da nossa área e os resultados da nossa empresa, e isso depende de alocar recursos no que nos dá mais retorno, ou seja, aquilo que a empresa faz melhor.

De fato, somos muito mais especializados do que percebemos, somos especialistas não em tecnologias, mas numa fórmula de fazer dinheiro (se preferir, num modelo de negócio), e estamos inseridos num grande ecossistema totalmente alinhado com essa mesma fórmula. Por todas essas razões, as Inovações de Ruptura quase nunca encontram espaço nas empresas estabelecidas, essas inovações costumam não se encaixar na fórmula tradicional de fazer dinheiro das empresas, os exemplos e os números apresentados no amplo estudo de Christensen são impressionantes, e provam que empresas estabelecidas são imbatíveis em conduzir Inovações Incrementais, mas praticamente incapazes de conduzir Inovações de Ruptura, que acabam sendo conduzidas por empresas menores, pelos estreantes, as empresas que hoje chamamos de Startups.

OK, e o que há de errado nisso? Vamos deixar que as Startups conduzam essas inovações e, quando (e se) o mercado se mostrar atraente, nós entraremos nele e ganharemos dinheiro sem correr riscos. Pois é nessa forma de pensar, absolutamente lógica e coerente, que reside a maior armadilha, o verdadeiro dilema da Inovação de Ruptura, que já levou à falência diversas empresas de todos os portes.

A questão aqui é que, já que o mercado mais tradicional não aceita de cara essas inovações, as empresas estreantes, as Startups (lembre-se, Amazon, Facebook, Google, Salesforce e outros gigantes foram Startups até pouco tempo atrás), precisam descobrir novos mercados que antes pareciam não existir, descobrir novos interlocutores, novos tipos de clientes, novas formas de gerar valor. Esse não é um desafio comercial, é muito mais que isso, estamos falando da construção de um novo modelo, a criação de uma nova rede de valor, na qual eles, seus clientes e seus fornecedores precisarão estar engajados. Isso é algo incerto, que envolve tentativas e erros, baseado muito mais em observar como os clientes fazem as coisas e nos problemas que eles enfrentam do que em ouvir o que eles querem, e os primeiros clientes que se interessam por essas novas tecnologias e soluções usualmente não estão dispostos a pagar muito por elas, já que eles também enfrentam um risco por apostarem nessas novidades ainda imperfeitas.

Empresas de Tecnologia pequenas estão dispostas a correr esses riscos. Empreses pequenas podem correr esses riscos. Empresas pequenas são ágeis e flexíveis o suficiente para se adaptar a esse cenário, para criar e ajustar os seus processos a cada tropeço, para aprender. Empresas pequenas podem operar com margens muito baixas, pois têm estruturas leves e baratas. Empresas pequenas possuem interesse nesses incipientes mercados em formação, e nos modestos contratos que não são atrativos o suficiente para grandes players.

Porém, quando finalmente esses novos mercados e redes de valor se formam, as empresas pioneiras e seus produtos evoluem e amadurecem muito rapidamente, já que seus integrantes criaram estruturas e processos totalmente novos (usualmente mais eficientes) para superar os desafios iniciais, descobrindo como fazer dinheiro em condições bastante adversas. A partir daí, esse conjunto de empresas que começou num mercado pequeno e “marginal” cresce, as tecnologias e soluções se tornam muito mais confiáveis, a forma de fazer dinheiro se consolida, o mercado se expande, os grandes clientes que antes rejeitavam essas soluções agora passam a deseja-las e adotá-las em substituição às soluções anteriores, e finalmente a Inovação de Ruptura invadiu os grandes mercados tradicionais.

Esse seria o momento para os fornecedores consolidados saltarem dentro desse novo mercado e começarem a comercializar essas novas soluções, certo? É aí que entra a diferença crucial entre a Inovação Incremental e a Inovação de Ruptura. No momento em que essas Inovações de Ruptura atingem os principais mercados, elas são carregadas por empresas que as trouxeram dentro de novos Modelos de Negócio amadurecidos e eficientes, com estruturas totalmente criadas e ajustadas para eles, e isso as empresas estabelecidas não conseguem replicar. Os fornecedores tradicionais pensam estar diante de novos produtos fruto de Inovação Incremental e tentam responder tecnicamente e comercialmente, quando na realidade estão diante de novos e mais eficazes modelos, uma nova receita para ganhar dinheiro.

O Dilema da Inovação está no fato de que quando essas novas tecnologias e soluções disruptivas estão surgindo elas não são atraentes o suficiente para as corporações tradicionais, e quando elas se tornam atraentes já é tarde demais, elas não conseguem competir com os novos entrantes. Nessa versão corporativa do “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, os ciclos de transformação são relativamente lentos, podem levar de alguns anos a até mais de uma década, o que os torna ainda mais difíceis de serem percebidos, mesmo quando estamos dentro deles.

Inovações de Ruptura, ao contrário das Inovações Incrementais, não são ondas nas quais o mercado surfa, se quisermos permanecer numa analogia oceânica as Inovações de Ruptura se parecem muito mais com o efeito dos navios motorizados sobre os navios a vela, no sentido de que um acabou por eliminar o outro, e a diferença entre os dois ia muito além dos motores, caso contrário teria bastado instalar motores nas antigas caravelas. Os motores eram a peça principal de um novo conceito, ao qual os antigos navios a vela não podiam se adaptar, pois tudo neles havia sido projetado para navegar pela força dos ventos.

Esse fenômeno não ocorre apenas no nosso mercado de Tecnologia, Christensen cita casos que vão das escavadeiras à insulina, passando por motocicletas e lentes de contato, mas o mercado de Tecnologia é particularmente sensível pelo fato das Inovações de Ruptura acontecerem com muito mais frequência aqui. Outra coisa que fica bem clara é o fato de que uma Inovação de Ruptura não afeta apenas empresas, afeta cadeias de valor, o que no nosso caso significa que Fabricantes, Distribuidores e Revendas de um mesmo ecossistema sofrem impactos similares.

Vamos, por um momento, pensar num exemplo muito familiar para o mundo de TI, o surgimento dos conceitos de Cloud Computing, Software as a Service, Infrastructure as a Service e similares (sim, são coisas diferentes, mas vamos analisa-las em conjunto). Quando Cloud surgiu comercialmente, há pouco mais de 10 anos (ou 17, dependendo do referencial), ela reunia todas as principais características das Inovações de Ruptura em seus estágios iniciais: todos achavam interessante, mas nenhum dos clientes tradicionais dos fornecedores de software e hardware  (basicamente gestores de TI e Infraestrutura) tinha interesse nesse modelo, especialmente nas grandes empresas, onde ouvíamos que era inseguro, era lento, era pouco confiável, era difícil de administrar, etc.

Essa forma de oferecer hardware e software era muito mais barata e flexível, mas os compradores tradicionais não valorizavam essas características, e buscavam coisas que a Cloud ainda não era capaz de oferecer. Empresas que até aquele momento não eram fornecedoras tradicionais de hardware e software fizeram então o que acontece nesses cenários de ruptura, decidiram apostar e levaram esse modelo para clientes menores, para empresas que não poderiam adquirir essas tecnologias pelos caminhos usuais, entraram nas áreas de negócios oferecendo essas tecnologias encapsuladas em diversos tipos de soluções, buscaram novos mercados, agregaram novos serviços, criaram uma nova rede de valor, erraram e aprenderam, até atingirem a maturidade.

Hoje, Cloud é talvez a mais importante tendência do mercado de Tecnologia da Informação, à qual todos os fabricantes de software e hardware aderiram, embora alguns tardiamente, colocando a si próprios e aos seus ecossistemas em risco, já que hoje eles percebem que “vender” Cloud é muito menos trivial do que se imaginava. Como acontece com todas as Inovações de Ruptura, Cloud é difícil de ser vendida pelos ecossistemas que se formaram ao redor do modelo On Premise por ser baseada em um novo Modelo de Negócio, ao qual esses antigos ecossistemas não estão adaptados (e talvez vários deles nunca se adaptem).

Devemos, portanto, entrar em desespero coletivo? Felizmente, Christensen inclui na sua obra um igualmente vasto estudo sobre como empresas estabelecidas encararam e superaram ciclos de Inovação de Ruptura. Para nossa sorte, o sucesso em passar por essas rupturas não tem a ver com o porte da empresa ou a quantidade de recursos disponíveis, e sim com a estratégia empregada, a visão de negócios e a consciência do processo de transformação em andamento. Mas esse caminho das pedras é assunto para o nosso próximo artigo.

* Marcus Rossetti é CEO da Commsulting

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