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EUA testam uso de blockchain em eleições locais

Para Nathália Nicoletti, cofundadora do Grupo A*Star Labs, blockchain pode dar mais segurança à urna eletrônica brasileira

Há uma série de aplicações possíveis e potencialmente revolucionárias para o blockchain: o nível de segurança alcançável com a tecnologia permite digitalizar empresas e governos em áreas antes incipientes, automatizando processos, encurtando caminhos e tornando as operações cada vez mais eficientes. O uso eleitoral da tecnologia poderia, por exemplo, permitir a contagem de votos em tempo real e reduziria drasticamente a possibilidade de fraudes. Uma série de serviços públicos e privados poderiam ser aprimorados.

O estado americano da Virginia Ocidental (EUA) utilizou recentemente o blockchain para dar segurança aos votos remotos de militares feitos em smartphones

Não à toa, o Gartner calcula que o mercado global de blockchain salte dos U$ 708 milhões registrados em 2017 para U$ 60,7 bilhões em 2024 – a maioria deste montante deve vir, não surpreendentemente, do setor financeiro. Mas despontam outras aplicações inovadoras: o estado americano da Virginia Ocidental (EUA) utilizou recentemente o blockchain para dar segurança aos votos remotos de militares feitos em smartphones. Foram escolhidos candidatos a cargos federais, como juízes e senadores.

O blockchain, diz Nathália Nicoletti, especialista na tecnologia e cofundadora do Grupo A*Star Labs, poderia ser implantado na eleição brasileira e daria mais confiabilidade não só ao terminal de votação, mas a todo o processo. “Nada garante a segurança da nossa urna”, diz a executiva.

Desde que a empresa nasceu em 2016, a A*Star Labs tem crescido, recebido aportes e feito aquisições como a da Smartchains no ano passado, incorporada ao braço de consultoria do grupo para reforçar a atuação em projetos de blockchain em diversos segmentos. Conta ainda com um laboratório de desenvolvimento de produtos, um braço de integração e oferece ainda cursos sobre a tecnologia. A InforChannel conversou com a executiva a respeito da tecnologia blockchain e seu potencial em aplicações além das atualmente popularizadas.

O que é blockchain e qual o potencial transformador da tecnologia para nossa sociedade?

Existem várias formas de definir, tanto técnicas como conceituais, pensando em termos de aplicação. Eu gosto de resumir como a camada de segurança que pode ser aplicada em todas as esferas de dados que precisam de confiança, e a imutabilidade agrega ao processo. Quando penso em supply chain, por exemplo, penso em uma cadeia complexa com muitos sistemas com interação humana. É difícil manter tantos dados íntegros. O blockchain permite uma integração de processo, o que dá agilidade burocrática ao integrar todo mundo no mesmo ambiente de forma infraudável. Assim conseguimos ter muita previsibilidade e segurança, porque o dado no começo da cadeia é o mesmo no final. A princípio não precisamos mudar o mundo, mas trazer as informações para o blockchain e mudar os processos. Com a automação consigo tirar o ser humano, que é falível, do meio do processo e ter uma informação mais íntegra.

No setor privado, que segmentos já consagraram o uso da tecnologia e onde está o potencial para o futuro?

Os bancos estão olhando bastante para blockchain, mas principalmente pela melhoria dos processos internos, não necessariamente para gerar mais transparência ou reduzir custos para o cidadão. Olham de forma bem fria para custo e processos. Mas cada setor tem se aproveitado de uma maneira. Supply chain é o que está mais forte, sob a perspectiva do A*Star Labs, é onde tem mais projetos. Há todo um universo, desde o transporte de alimentos até itens como créditos de carbono com um sistema de pontuação baseado em blockchain. Temos visto muito demanda em e-commerce e de empresas que queiram formalizar processos sem papel, transformar processos em totalmente digitais.

E o setor público? Como tem caminhado?

Temos feito um trabalho muito próximo com órgãos de governo em todas as esferas. No ano passado estivemos muito em Brasília para tentar ampliar o entendimento do bitcoin e do blockchain em projetos que estão tramitando. Auxiliamos a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que está buscando casos de uso mais aplicáveis. O Tesouro Nacional tem uma

POC (prova de conceito) para emissão de tesouro direto. Conversamos com o Ministério do Planejamento, com o governo de São Paulo, etc. Há muitas aplicações possíveis para o Estado brasileiro para combater a corrupção, reduzir a dependência de papel e da má conservação de arquivos. Eu penso em transparência das informações e dos gastos públicos, na fiscalização efetiva de contas. Blockchain é uma tecnologia perfeita para uso público: é possível fiscalizar sonegação de imposto, dar mais segurança para o voto – inclusive porque hoje usamos um sistema falível. Depois da última eleição, em que um dos partidos envolvidos pediu recontagem de votos, percebemos por exemplo que não é possível fazer uma auditoria completa.

Há cases concretos no setor público?

Temos um case com a Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec), que está implementando blockchain nos documentos no sistema de ECM (Enterprise Content Management) para reduzir o prazo de registro de empresas. O processo de recebimento de toda documentação entregue para abertura de empresas foi automatizado e drasticamente reduzido o prazo de processamento. O que era feito em 15 dias agora é processado em três. O prazo de criação dessas empresas, desde o registro até a liberação, também vai ser reduzido. É um ganho de efetividade.

A tecnologia será utilizada pela primeira vez em uma eleição na Virginia Ocidental, EUA. Como isso acontecerá? Qual a expectativa?

O processo foi feito por uma empresa que desenvolveu uma plataforma de sistemas de votação por demanda. Usaram um mecanismo de identificação biométrico e facial e selecionaram um grupo de eleitores específicos, membros do exercício, que votam em trânsito por conta das funções que exercem. Tiveram que identificar esses cidadãos um por um por biometria de face manualmente. Ainda assim, por causa da distância, houve duas dificuldades muito sérias: garantir que a pessoa votando é ela mesma e evitar o voto de cabresto, ou seja, a coação ou venda do voto. Por isso não acredito a curto prazo neste modelo, pois o reconhecimento fácil e biometria são suscetíveis a hackers. Como garantir o voto daquele cidadão? Na urna eletrônica não haveria esse problema. A urna funcionando em IoT e alimentando o blockchain como camada de auditoria. Dá para contabilizar em tempo real, auditar os votos por comarca, fazer uma pesquisa minuciosa sobre os dados e garantir a privacidade, pois não estou atrelando o número do título ao voto na urna. Talvez nas eleições de 2020, com [o eleitor apresentando] um documento com foto, já seja possível experimentar.

O Brasil já trabalha com a urna eletrônica, ou seja, temos uma eleição digital. De que forma o blockchain poderia ser aplicado no Brasil? É um caminho natural?

Nada garante a segurança da nossa urna. Tivemos na Venezuela uma comprovação de fraude, em que a empresa que processava os votos avisou que o governo estava adulterando as urnas. Isso nos traz sinais de alerta muito grandes, pois usamos as mesmas urnas, a mesma tecnologia e a mesma marca. É nossa obrigação trabalhar para aumentar constantemente a segurança, e o blockchain poderia fazer isso. É como se cada candidato tivesse uma carteira, assim como no bitcoin, mas ao invés da moeda teríamos o voto como ativo. E a contabilização poderia ser feita em tempo real com ganho de processo e confiança. Ainda sonho com este dia aqui no Brasil.

Caminhamos para isso? Há vontade de implantar blockchain por parte da nossa justiça eleitoral?

Vontade o governo tem, mas vai haver dificuldades. Quando se envolve mais de um órgão de âmbitos diferentes, há problemas. São órgãos muito burocráticos e trazê-los para participar traz dificuldades grandes de orçamento e tecnologia. Temos trabalhado bastante com órgãos de governo, já fizemos algumas rodadas para dar um briefing de onde a tecnologia pode ser aplicada. Acreditamos bastante nesta aplicação. Acho que conforme a população obtiver conhecimento, e a tecnologia se tornar mais palpável, talvez haja pressão popular. Sou esperançosa.

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