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Precarização e mortes: o legado dos ISPs irregulares rumo a Brasília

Ainda que noticiados com frequência por veículos regionais de imprensa – ao menos, quando resultam em mortes –, acidentes com trabalhadores de telecomunicações são muito mais comuns do que as reportagens levam a crer. Esses casos são a consequência maior da precarização dos trabalhos no setor, onde “quarteirização” e “quinteirização” de equipes, subnotificação de incidentes, falta de capacitação e de EPI (Equipamento de Proteção Individual) para o exercício de atividades de risco, dentre outras infrações, tornaram-se frequentes. A gravidade do quadro motivou a realização de audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo no final de junho e, a julgar pelo volume, constância e variedade de irregularidades observadas, intenção declarada de seu organizador e pela presença de representantes do ministério do Trabalho e da Anatel no evento, deve, em breve, chegar à esfera federal, fechando o cerco aos provedores de Internet irregulares e clandestinos, apontados por sindicalistas e autoridades presentes como únicos responsáveis pela situação.

Autor da convocação para a audiência, o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira afirmou que pretende levar o tema ao Congresso Nacional, algo bastante factível. O político dispõe de acesso direto a autoridades em Brasília – particularmente no ministério do Trabalho, além de ser irmão do ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) –, o que lhe possibilita apresentar a situação e inseri-la na pauta do governo federal que, a propósito, tem dado muito atenção aos ISPs.

Um grupo de trabalho formado por integrantes dos ministérios das Comunicações e da Casa Civil atua, desde o início de junho, no levantamento de subsídios para a criação do Plano Nacional de Inclusão Digital que, por conta da localização do público a ser conectado à Web, terá os provedores regionais como protagonistas. Obviamente, o significativo número de empresas irregulares será tratado com atenção.

Enquanto essa estratégia começa a ser traçada, há ações práticas em curso, como a destinação de R$ 1,27 bilhão em recursos do FUST e do FUNTTEL para linhas de crédito voltadas à ampliação e modernização de redes em áreas periféricas e rurais, justamente as atendidas pelos ISPs.

Esses financiamentos já estariam, segundo consultorias especializadas no setor, motivando empresas a buscarem a regularização, o que explicaria o recente salto do número de outorgas SCM concedidas pela Anatel. A partir de meras 23 autorizações contabilizadas em janeiro, houve um impulso que fez o total chegar a 254 nos cinco primeiros meses do ano. As linhas de crédito, acessíveis apenas a provedores regularizados, seriam o motor desse movimento.

Essa onda de regularização, porém, é irrisória diante do número de ISPs clandestinos e irregulares em operação. Conforme dito na audiência pública, esses seriam “dezenas de milhares”. A Abrint estima o número de provedores existentes no País em 20 mil, enquanto que a Anatel registra apenas 12,5 mil autorizados.

Fato é que a presença de representante do Ministério do Trabalho no evento pressupõe, desde já, o aumento da fiscalização sobre ISPs quanto às condições de trabalho de suas equipes de campo que devem, entre outros, dispor de capacitação, certificação e equipamentos de proteção, não por acaso, exigências previstas em lei.

A portaria 3.214/1978 do Ministério do Trabalho, em complemento à CLT, instituiu 34 Normas Reguladoras (NRs), que estabelecem critérios mínimos voltados a garantir a segurança e saúde de trabalhadores no exercício de diferentes atividades. Três delas relacionam-se diretamente à instalação de redes aéreas: as NRs 10, 35 e 6. As duas primeiras atestam capacitação do trabalhador para o exercício de atividades, respectivamente, perto de redes de alta tensão e em alturas que partem dos 2 metros. A NR 6 refere-se ao fornecimento, pelo empregador – que também responde pelas NRs 10 e 35 – do EPI. Este é previsto ainda pela Lei 6.514/1977, que estabelece também a obrigatoriedade de as empresas disporem de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).

Embora este tipo de fiscalização seja de competência do Ministério do Trabalho, pressões quanto à regularização de provedores de Internet têm se tornado mais frequentes, particularmente, a partir do CREA. Em maio, a sucursal paulista do conselho realizou envio de notificações a provedores – aparentemente a milhares deles – exigindo que as empresas dispusessem de responsável técnico. O não cumprimento expõe infratores a multa de R$ 2.553,71.

Tanto a exigência quanto a delegação de poder fiscalizatório e arrecadador ao CREA são previstas pela lei 5.194/66. Em 2018, parte dessas funções passou a ser compartilhada com o Conselho Federal dos Técnicos (CFT), criado naquele ano.

A presença do superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego em São Paulo, Marcus Alves de Mello, na audiência pública indica que haverá fiscalização mais intensa sobre os ISPs – até porque, conforme disse na ocasião, já foi autorizada a realização de concurso público para a contratação de 900 auditores fiscais do trabalho – fato –, algo que, segundo ele, não acontecia há nove anos.

Além disso, se a intenção do deputado estadual Luiz Fernando Teixeira de levar o tema para discussão no Congresso Nacional se concretizar, a Anatel e o Ministério das Comunicações também deverão participar do combate à precarização o que, conforme suas competências, passará pelo enquadramento aos ISPs irregulares e eliminação dos clandestinos.

Portanto, antes que atos fiscalizatórios se tornem mais frequentes e rigorosos e resultem nas respectivas punições – prisão no caso dos clandestinos – é hora de os ISPs que estão em dívida com suas obrigações regulatórias buscarem a devida regularização, principalmente no que se refere às questões trabalhistas.

Por Fabio Vianna Coelho, sócio da VianaTel.

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