A digitalização de um produto ou serviço requer cuidados para oferecer ao cliente uma experiência igual ou superior ao ambiente físico.
Há dez anos, Marc Andreessen, um dos cofundadores da Andreessen Horowitz, gestora de venture capital, que tem em seu portfólio empresas como Airbnb, GitHub e Slack, escreveu o artigo “Why software is eating the world”. Na publicação, Andreessen aborda que após o estouro da bolha da internet no início dos anos 2000, novas empresas como o Facebook (hoje Meta), o Twitter e outras companhias de tecnologia passariam a ocupar na próxima década um papel importante em toda a economia e os softwares iriam gerar uma disrupção em diversos setores industriais.
Foi isso o que acompanhamos nos anos seguintes: o software ganhou importância em empresas dos mais variados setores da economia. Algumas delas, que não eram de tecnologia e foram citadas por Andreessen, aumentaram sua dependência nos softwares. É o caso da Disney. A multinacional de entretenimento lançou em novembro de 2019 o Disney Plus, plataforma de streaming com cerca de 130 milhões de assinantes no mundo e responsável por manter a receita fluindo quando os parques temáticos estavam fechados devido à pandemia.
Os softwares estão substituindo, complementando o espaço físico, um produto, ou serviços da marca – como no caso da Disney. E essa digitalização pode ser desenvolvida de diferentes formas.
Produtos físicos viraram computadores?
No setor de tecnologia, as máquinas virtuais substituem hardwares desde a década de 70 e se tornaram populares nos anos 2000, com o desenvolvimento de processadores com múltiplos núcleos. Nos últimos anos, a virtualização de produtos físicos e a possibilidade de habilitar novos recursos, por meio da atualização de softwares, passou a ser implementado em outros setores.
Na produção musical, a digitalização e a substituição de equipamentos físicos por softwares também se popularizou no mesmo período. O software Pro Tools tomou o lugar dos gravadores de rolo e fita e empresas de tecnologia passaram a desenvolver plugins em parceria com empresas do setor de áudio, que substituem produtos físicos como amplificadores, pedais de efeito e caixas de som microfonadas. Há dois anos, empresas tradicionais do setor, como as fabricantes de amplificadores Vox e Ampeg, começaram a lançar plugins desenvolvidos internamente.
No setor de automóveis, a Tesla iniciou há dez anos uma mudança que impactou todos os fabricantes. Em 2012, com o lançamento do modelo S, classificado pelo programa britânico Top Gear como o primeiro carro elétrico produzido em massa, a empresa passou a se equiparar com as principais montadoras alemãs no quesito luxo e na aceleração de 0 a 100 quilômetros por hora. Nos anos seguintes a tecnologia no produto cresceu. O primeiro passo, em 2014, foi a incorporação de hardwares que passaram a possibilitar a direção, a aceleração e a frenagem automatizadas. No ano seguinte, o software Tesla Version 7.0, trouxe a função Autopilot, que possibilitou aos motoristas tirarem as mãos do volante. Além disso, criou o conceito de atualização de software para liberar novas funções nos carros.
Essas mudanças impactaram as demais montadoras que passaram a investir na contratação de desenvolvedores de software e se posicionar como empresas de tecnologia. O Grupo Volkswagen, por exemplo, anunciou no ano passado sua pretensão de tornar-se uma empresa de tecnologia e passar dos atuais 10% de desenvolvimento de software “in house” para 60% até 2025. O desenvolvimento dessas tecnologias inclui uma nuvem própria para processar dados dos veículos, softwares que deverão ser atualizados pelos donos para promover novas funcionalidades e o desenvolvimento da automação nível quatro, quando o próprio veículo é capaz de se colocar em segurança caso o motorista não consiga assumir o controle em uma emergência.
Neste cenário, o lançamento, em agosto do ano passado, da norma ISO 21434 “Road vehicles — Cybersecurity engineering” ou, em português, “Veículos rodoviários — Engenharia de segurança cibernética”, é um exemplo que deve ser elogiado. Essa norma especifica os requisitos para os riscos de cibersegurança, o desenvolvimento e produção de sistemas elétricos e eletrônicos de veículos, incluindo os testes para a detecção de bugs, que podem ser fatais em veículos autônomos.
No entanto, nem todos os setores possuem normas que especificam como a digitalização deve acontecer. Apesar de todos os mercados tradicionais passarem por esse processo, seja pelo surgimento de um novo player ou pela digitalização dos atuais, virar uma empresa digital baseada em software não é simples.
Darei cinco dicas para aqueles que estão ingressando nesta jornada:
Prepare-se e entre no mercado após a realização de testes. Não transforme um produto em software ou lance um site ou aplicativo antes dele oferecer uma experiência fluída ao consumidor, apenas porque seus concorrentes, antigos ou novos, criaram algo similar. É preciso saber quando o produto está maduro e pronto para ser lançado;
O número de usuários pode crescer exponencialmente. A área de TI de uma empresa pode gerir a demanda de sistemas internos sem problemas, mas produtos digitais destinados ao consumidor final podem ter um número variável de usuários em qualquer horário. Quando um filme ou uma série estreiam em um streaming de vídeo, por exemplo, o volume de assinantes do serviço pode subir na véspera ou mesmo no dia de lançamento e sua estrutura precisa estar preparada para atender esse crescimento repentino;
A User Experience e a interface precisam ser amigáveis a qualquer consumidor. Mesmo que sua área de TI tenha experiência no desenvolvimento de sistemas internos, o seu colaborador passa por treinamentos para aprender a utilizar esses softwares e no caso de dúvidas ele pode consultar um colega mais experiente ou abrir um ticket de suporte. Mas o seu consumidor não vai querer se submeter a um treinamento para fazer uma compra em seu site, uma transação financeira em seu aplicativo, assistir a um filme ou conectar o celular no carro;
Produtos não podem chegar ao mercado com defeito. Um bug em um sistema interno pode gerar uma reclamação com a área de TI ou ser ignorado pelo usuário. Mas se o bug acontece em um produto destinado ao cliente final, o problema tem outras proporções e gera perda financeira e de imagem, como ocorreria caso produtos físicos fossem vendidos com defeitos de fabricação e precisassem ser recolhidos nos distribuidores ou nas lojas. Lembre-se que quanto mais tarde um problema é detectado e solucionado tanto no ambiente físico como no digital, maior será o custo para solucionar o problema;
Procure parceiros que possam ajudar neste processo. Por pressão do mercado de smartwatches, as marcas de relógios de luxo têm lançado produtos desta categoria. Porém, ao invés de criarem novos sistemas operacionais, elas utilizam o sistema Wear OS, desenvolvido por uma das principais empresas de tecnologia do mundo. No segmento de áudio, a maioria dos plugins ainda é feito em parceria entre empresas de tecnologia e fabricantes tradicionais. Bons parceiros podem te ajudar nesta jornada.
A digitalização é uma realidade e desenvolver um roadmap de um produto novo diferente de tudo o que a empresa já fez é difícil. Mas, antes de inovar é necessário cuidar da qualidade do produto ou serviço e se perguntar se ele oferece as mesmas qualidades e experiência positiva que o cliente tem no ambiente físico. Caso contrário, reformule e teste seu produto antes de lançá-lo no mercado. Lembre-se que um dos motivos de digitalizar o produto é atender a um consumidor que está mais exigente e em busca de soluções que melhorem sua vida.
Por Bruno Abreu é cofundador e CEO da Sofist
Leia nesta edição:
MATÉRIA DE CAPA | TIC APLICADA
Campo digitalizado: sustentabilidade e eficiência
TELECOMUNICAÇÕES
Infra para Conectividade: competição quente
NEGÓCIOS
Unidos para inovar
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APLICAÇÃO
A boa gestão de mídias sociais fortalece a marca
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