O crescimento e desenvolvimento de qualquer startup é muito similar à rotina de treino de alguns tipos de esportes de alta performance, no que diz respeito às nuances. No início da caminhada é muito similar ao tênis, onde joga-se apenas o(s) fundador(es) com no máximo o apoio de um coaching – que auxilia do lado de fora da quadra no dia a dia. Após alguns meses, o esporte muda e passa a ser como no vôlei de praia, composto minimamente por um time de duas pessoas (geralmente um primeiro vendedor). Em seguida, passa a ser uma equipe de futebol de salão, já atingindo cinco pessoas nas áreas de vendas, marketing, atendimento e um primeiro desenvolvedor. Depois, um time de futebol, contando com 11 pessoas e já formando as primeiras lideranças (capitães) com o técnico (fundador) liderando o time e com várias áreas diferentes para gerenciar (defesa/meio/ataque). Posteriormente, passa para um time de rugby com 15 pessoas. E nota-se que, a cada movimento, a complexidade na gestão muda e elas naturalmente fazem parte do processo.
Atualmente, na startup em que lidero somos um time de futebol, onde novas competências precisam ser desenvolvidas e novas lideranças devem ser formadas. E o cuidado com o desenvolvimento dessa etapa é primordial. Se avaliarmos o histórico do esporte, é muito comum que alguns atacantes que se aposentam dos gramados se tornem técnicos de times. Naturalmente, ele tende a tornar a sua equipe ofensiva (vendas/expansão), mas caso não aprenda a estruturar uma defesa (retenção), esse profissional poderá ganhar partidas, mas dificilmente conquistará um campeonato. Como esse é um desafio que estamos vivenciando ainda, compartilho os setes principais aprendizados durante a prática de tênis, vôlei e futsal. Confira:
1. Especializar o time em funções
Logo nos meus primeiros processos seletivos, optei por contratar um desenvolvedor full stack, profissional responsável pelo desenvolvimento do back-end, front-end e toda a parte de ops (infra, performance, segurança, dados etc). Na época, o mindset estava totalmente focado nisso, pois até então era o único desenvolvedor e fazia todos esses papéis. Porém, percebi que as pessoas possuem competências e habilidades diferentes. Não são todos que têm a mesma facilidade e capacidade de executar as duas funções. O reflexo direto disso foi a perda de qualidade e velocidade nas entregas . Alteramos a estrutura e especializamos o time. Hoje, conto com um time multidisciplinar com front-ends, back-ends, UX Designer, QA e PO.
2. Contratar profissionais que tenham fit cultural com a empresa
Parece até aqueles jargões de livros de autoajuda para empreendedores de primeira viagem, mas a máxima se encaixa perfeitamente. Devido a velocidade com que a startup crescia, precisávamos contratar ou repor alguém na mesma velocidade do crescimento. Nem sempre tinha o tempo necessário de fazer todo o processo de avaliar o currículo, entrevistar primeiramente via call e fazer a primeira triagem, convidar para um primeiro papo presencial, convidar novamente os selecionados para um papo com os membros do time, etc. Atualmente percebo a importância de dedicar o tempo necessário para essas atividades, uma vez que o tempo perdido corrigindo o percurso de um profissional desalinhado com o fit cultural da empresa, além do impacto que esse desalinhamento causam na operação, é gigantesco .
3. Compartilhar um conhecimento específico com todo o time
Tive um squad de big data com duas pessoas que por falta de gestão da minha parte, os deixei tomarem as decisões que gostariam (obviamente sempre visando o bem da empresa). No entanto, essas decisões foram desestruturadas, desde a escolha da linguagem, a definição de infraestrutura, ferramentas de monitoramento, falta de sustentação, dentre outros. Quando essas pessoas saíram da equipe, fiquei com um débito técnico, pois ninguém sabia o que estava escondido dentro daquela caixa preta – até hoje pago o preço por isso. Acompanhamento e compartilhamento de conhecimento técnico com o time é fundamental. Não apenas “como utilizar linguagem x ou y”, mas explicando todas as nuances que está por trás do projeto.
4. Ser presente no dia a dia da operação
Ao contratar pessoas mais maduras e deixá-los com autonomia nas decisões do dia a dia, acabei por sair fisicamente da sala de produto. Com isso, pouco participei das cerimônias que as metodologias ágeis pregam. Nesse processo, ocorreram dois novos problemas: criação excessiva de burocracias e o sentimento de irritação.
Por seguirem o by the-book das metodologias, todas as cerimônias – como manda a cartilha – foram criadas e, em vez de ganharmos agilidade, começamos agendar reunião para fazer reunião. Esse movimento fez com que o time perdesse velocidade nas decisões e agilidade nas entregas. Tínhamos um time com quatro pessoas de desenvolvimento fazendo reunião de planejamento durante o dia inteiro.
Nessa época, o meu sentimento era de pura irritação, pois nada de valor era entregue ao final das sprints, e quando isso ocorria, a maioria dos itens subiam com erro. Geramos sobrecarga no suporte, o time perdeu a confiança na equipe de produto e eu me tornei um cara insuportável na operação. Abrir o e-mail se tornou um sinal de tortura, pois a maioria dos e-mails eram sobre problemas, erros graves, falhas, cancelamentos, etc. Passei a não dormir bem e em certos momentos a ser mais ríspido com as pessoas. Me tornei inacessível e me afastei do time, gerando um débito de processo e tecnologia cada vez maior. Tive que voltar a ficar perto da equipe para liderar a gestão.
5. Delegar e acompanhar o processo
No decorrer dos meses, como já citado, mudamos muitas coisas. O grande erro foi fazer um processo novo, não acompanhar a implementação e sua evolução. O olhar do líder da operação não é apenas transmitir a visão e sair de cena. É preciso implementar, acompanhar, mensurar e melhorar de forma semanal. Sem isso, o processo se perde no caminho e a equipe não compra a briga.
6. Priorizar o core e menos o desenvolvimento de novas features
No início da startup, não tínhamos nada além do básico do produto. Com isso, o foco basicamente era desenvolver novas vendas e novas features. Segui com a premissa por cerca de dois anos, porém hoje percebo que o mercado não demanda por “floricultura” no produto. Ele quer basicamente o perfeito funcionamento de tudo que é disponibilizado. Diante disso, tiramos um pouco o pé do acelerador no desenvolvimento de novas features, fazendo um grande lançamento grande por quadrimestre. No dia a dia, a dedicação da equipe fica mais voltada para a estabilidade em infra, código, automação de testes e segurança.
7. Empoderar o time e alinhar todas as mudanças com as peças-chave
Toda mudança hoje em dia é validada antes de simplesmente ser executada. Por isso, consulto o time, penso nas implicações. Ou seja, nada é mais de cima para baixo. Tenho meus insights em diversos momentos do dia, mas não anoto. Se a ideia surgir novamente mais algumas vezes, fica claro que ela faz sentido. Primeiramente, valido com o meu sócio e mentores. Caso realmente faça sentido, chamo as pessoas chave do time para apresentar a ideia e fazer com que se sintam parte do processo. Sempre peço as opiniões e os comentários para chegarmos na mesma decisão – afinal, quem toca o dia a dia são eles e ninguém melhor para passar a visão de como a banda toca. Aprendi e venho aprendendo muito diariamente. Procuro me cercar e conversar com quem convive ou já passou por esse momento. Estamos exatamente no momento de estruturar melhor todas as áreas e processos para o próximo grande salto: atingir 2.000 clientes. E depois dobrar de novo, e de novo. Como fundador, tenho a responsabilidade de estar sempre à altura do que a startup precisa e qualquer carência de preparo vai gerar reflexos no produto que entregamos, incertezas no time e o nosso próprio negócio vai pagar a conta. Procuro ter a humildade de admitir que lidamos com coisas desconhecidas e variáveis que não controlamos, ao invés de deixar os problemas afetarem. Nesse desafio, preciso ser melhor a cada dia para continuar sendo o CTO que a empresa precisa.
Por Henrique Machado, CTO e co-fundador da Ramper
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