Por Basílio Perez, presidente da ABRINT
Criado em 2000 para financiar a universalização do serviço telefônico no Brasil, o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) é um bom exemplo de péssima utilização de recursos públicos. Formado pela contribuição anual de 1% da receita de todas as empresas do setor (dos R$ 21 bilhões arrecadados desde 2001, foram aplicados no setor apenas R$ 341 mil de acordo com o TCU – ou seja 0,002% do total, efetivamente um percentual ínfimo). Entra governo, sai governo, e os recursos do Fust continuam a ser utilizados para suprir o famigerado superávit primário da economia.
Outro fundo importante para o setor, o Fistel, criado para financiar as despesas de fiscalização da Agência, não teve melhor sorte. Desde a sua criação, em 1997, o orçamento da Anatel tem sido muito menor do que a arrecadação do Fistel, o que traz prejuízos para o setor de duas formas: onera as empresas de forma desproporcional e deixa a Anatel sem condições financeiras para desempenhar sua atividade de regulação e fiscalização do setor de forma adequada.
Esse debate é tão antigo quanto o próprio setor de telecomunicações no Brasil, mas é sempre oportuno tocar no assunto, ainda mais em época de eleição. Não há dúvidas de que o futuro das telecomunicações no Brasil passa diretamente pela utilização efetiva dos fundos setoriais, já que existem áreas que não são economicamente viáveis para a iniciativa privada e que devem, sim, ser objeto de políticas públicas financiadas com recursos públicos. Afinal, eles estão aí para isso.
Passados 18 anos desde sua criação, a utilização dos recursos do Fust agora enfrenta um imbróglio jurídico. A questão é que ele foi criado para financiar a universalização do serviço telefônico, objetivo esse que já foi atingido. Juridicamente, ele não pode ser usado para outros serviços, tal como a expansão da banda larga, prioridade central do setor no País. Embora haja diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que tentam desfazer esse nó jurídico, nenhum deles mereceu o apoio necessário do Executivo e, assim, o Fust continua sendo recolhido sem poder ser aplicado no setor.
Dentro de algum tempo, o Congresso Nacional deve receber mais um projeto de lei que aborda essa questão. Na verdade, este projeto de lei objetiva modernizar o arcabouço legal olhando para o futuro, tratando também de internet via satélite e IoT.
O autor da proposta é o conselheiro da Anatel e ex-senador Aníbal Diniz. O anteprojeto de lei já foi aprovado pelo conselho diretor da Anatel e agora está nas mãos do Ministério da Ciência Tecnologia Comunicações e Inovações (MCTIC), a quem caberá introduzir o projeto para sua tramitação no Congresso Nacional. A grosso modo, o projeto atua em três vertentes. A primeira é desfazer exatamente esse nó jurídico que impede o Fust de ser usado na banda larga. De forma habilidosa, própria de quem conhece os meandros da administração pública, o projeto cria um “comitê gestor do FUST”, coordenado pelo MCTIC, e formado por representantes de quatro ministérios: Ministério da Educação, Ministério da Defesa, Ministério da Saúde e da Justiça. Da forma como foi previsto, esse comitê teria peso político e institucional, facilitando o direcionamento de recursos para serem aplicados no setor.
A outra vertente é a da banda larga satelital. Reconhecendo que muitas áreas do país só terão acesso via satélite, o projeto iguala a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) das estações de satélite de pequeno porte à TFI das estações do SMP, desonerando o custo para implantação da infraestrutura. A terceira vertente é a da Internet das Coisas (IoT). O projeto zera a TFI e a TFF de todos os dispositivos IoT.
O anteprojeto de lei foi elaborado no escopo das discussões do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT) que está atualmente em consulta pública, pela Anatel. O PERT faz um amplo diagnóstico das redes de telecomunicações identificando as lacunas de cobertura e de atendimento e elenca algumas possíveis fontes de financiamento. Uma delas é o uso do FUST, que o anteprojeto de lei tenta destravar.
Essa é mais uma proposta, entre as muitas que existem no Congresso Nacional para resolver essa questão e o objetivo aqui não é avaliar se ela é boa ou ruim. Uma coisa é certa: enquanto o setor de telecomunicações não entrar na agenda nacional como uma prioridade – e isso aparentemente não vai acontecer nos próximos quatro anos a julgar pelos programas de governo dos candidatos a presidente – vamos, enquanto país, continuar patinando na universalização do acesso à Internet.
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