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Startups: muito longe do romantismo

Ecossistema brasileiro empresas inovadoras cresce e se fortalece, mas desafios ainda passam por ambiente regulatório complexo, custo alto de capital e, claro, muito esforço
Startups: muito longe do romantismo

Um certo romantismo ronda a palavra “startup”. Basta mencioná-la que logo vem à mente alguns ícones do empreendedorismo norte-americano, Jobs e Zuckerbergs, jovens e rebeldes, recém-saídos da faculdade, com uma grande ideia que sozinha basta para montar negócios bilionários. A realidade é não só muito diferente como bastante dura, principalmente quando se está tão longe do Vale do Silício.

O Brasil é o país com o mais maduro ecossistema de empresas focado em inovação na América Latina, e possivelmente um dos maiores do mundo. São entre 8 e 10 mil startups, segundo estimativas da Associação Brasileira de Startups, a ABS. O número, bastante respeitável, esbarra em outro não tão animador: um terço das empresas brasileiras não sobrevive aos primeiros dois anos de atividade, segundo a Fundação Getúlio Vargas.

[/media-credit] Cezar Taurion, da Kick Ventures

“Dia desses vi na banca uma revista que dizia ‘abra uma startup e fique milionário’. Mas não é fácil assim, a realidade é dura”, pondera Cezar Taurion, sócio e head de transformação digital e economia da venture builder Kick Ventures. “Do total de startups abertas, 20% vai desaparecer em dois anos, e menos de 10% passa de cinco.”

Apesar disso, o ecossistema brasileiro é considerado maduro, com todos os agentes necessários para o desenvolvimento das startups, incluindo investidores, aceleradoras, provedoras de serviços de nuvem, grandes empresas interessadas e casos de sucesso. Há ainda uma série de aspectos necessários para que um ecossistema de startups – ou mesmo uma empresa individualmente – seja bem-sucedido. A Infor Channel ouviu especialistas e players do setor para entender quais estes elementos. Confira!

  1. Talentos

Gênios da computação sozinhos não fazem uma startup. A equipe de uma empresa precisar ser formada por um mix equilibrado de talentos oriundos não só da tecnologia, mas também de outras áreas, de acordo com o segmento em que pretende atuar. Sem diversidade inovar fica mais difícil, acreditam os especialistas.

Outra quebra de cliché: o empreendedor brasileiro não é assim tão jovem (tem, na média, entre 34 e 35 anos) e acumula passagens por outras empresas ou mesmo empreitadas. “É um cara que tem experiência, já teve startup e falhou. Começamos também a ver empreendedores C-Level que decidem arriscar ao invés de ir para uma grande empresa”, explica Allan Leite, CEO da aceleradora Startup Farm. Segundo ele, este perfil é resultado de mudanças ocorridas durante os últimos anos. “Com a crise é que a disponibilidade de pessoas mais maduras aumentou muito.”

Flávio Pripas, do Cubo

Flávio Pripas, diretor geral do Cubo, hub de inovação em São Paulo, concorda e acrescenta: no Brasil é difícil empreender pois, no geral, é necessária alguma reserva financeira para sobreviver e correr riscos. “Normalmente é alguém que estudou em boa faculdade, tem experiência e quer resolver um problema de negócios que identificou”, pondera o executivo.

Segundo Cezar Taurion, pelo perfil da formação acadêmica oferecida pelas nossas universidades é um problema. Diferente das de outros países com grandes ecossistemas de startups, no Brasil se formam “muito mais advogados que engenheiros”, e de modo geral são ensinadas disciplinas, não habilidades como empreendedorismo, por exemplo.

  1. Densidade

Uma fórmula que se provou bem-sucedida para startups é concentrar ecossistemas regionais, de modo a facilitar o contato entre os empreendedores. Coworkings, hubs e polos de inovação, entre outros modelos, são exemplos. Eles recebem financiamento privado, público e misto. As vantagens são inúmeras: os empreendedores podem conversar e colaborar entre si, se unir para atender potencialidades do mercado local, e em conjunto são mais capazes de atrair ou serem atraídos por aceleradoras, investidores e mesmo clientes.

“Este ecossistema [de startups] é bem diferente”, explica Rafael Ribeiro, diretor executivo da ABS. “As pessoas estão muito dispostas a dar feedback sincero. Diferente do mercado tradicional, a concorrência não é levada às últimas consequências.”

Alan Leite, da Startup Farm

Algumas destas comunidades regionais ganharam destaque no Brasil ao longo dos anos, incluindo o Sururu Valley de Alagoas, o San Pedro Valley em Minas Gerais, e o StartupSC de Santa Catarina. Talvez o mais antigo deles seja o Porto Digital, em Recife, Pernambuco, criado em 1999 em uma das áreas mais antigas da cidade.

A iniciativa que envolve indústria, universidades e governos municipal e estadual. No primeiro momento buscou que grandes organizações e multinacionais se instalassem na cidade, mas hoje é uma plataforma de fomento com a missão de estimular inovação e empreendedorismo. São cerca de 300 empresas de todos os tamanhos, que recebem vantagens fiscais para revitalizar e ocupar imóveis históricos, além do apoio de aceleradoras, empresas, governo e comunidade local.

Os três programas de aceleração e três incubadoras, além de laboratórios e outras iniciativas, já deram tantos frutos que estão se expandindo para o interior do Estado: Caruaru já tem um Armazém de Criatividade, e Petrolina deve ser a próxima. “Pessoas chegam e nós as conectamos”, explica André Araújo, gerente de empreendedorismo do Porto Digital.

Outro espaço já consagrado, embora bem mais jovem – nascido no final de 2015 – é o Cubo, criado pelo Itaú e pela Redpoint Eventures em São Paulo, capital. O objetivo declarado é ser um hub de circulação de pessoas – e com elas de ideias. Passam por lá cerca de 600 pessoas diariamente, metade delas para participação em eventos. A outra metade são empreendedores das 56 startups hospedadas.

“Uma boa ideia sozinha não vale nada. Executar é que vale. O Cubo ajuda as empresas que já estão executando”, explica Flávio Pripas. “Tínhamos a tese de que poderíamos ajudá-las aqui dentro, o que conseguimos comprovar.”

André Araújo, da Porto Digital

Além de programas e eventos, o Cubo hospeda aceleradoras e recebe investidores, o que, traduzindo, é exatamente o que toda startup quer. Atualmente, os olhos já se voltam para outras empresas no Brasil. “Estamos estudando uma plataforma de conexão, ou uma vitrine de negócios, mas ainda não há nada definido”, diz o diretor.

Nos próximos meses, Belo Horizonte, em Minas Gerais, deve ganhar um hub de inovação semelhante: o Órbi é fruto da união da construtora MRV, do Banco Inter e da Localiza com startups locais, oriundas do São Pedro Valley.

A iniciativa contará com áreas de trabalho permanentes e temporárias, além de espaço para cursos, workshops e eventos. Deve receber inicialmente 20 startups. “Nossa missão principal é diminuir a mortalidade das empresas, e uma das formas é que elas se foquem nos produtos”, explica Guilherme Ximenes, Superintendente de TI do Banco Inter. “Queremos levar as startups para dentro das empresas.”

  1. Cultura de empreendedorismo

Embora o ideal romântico das startups multimilionárias seja bastante enganoso, é inegável que ter uma startup se tornou o sonho de muitos. Para que isso se efetive, além dos desafios educacionais, é necessário estimular uma cultura de empreendedorismo.

“Grandes empresas podem, dependendo da região, buscar mecanismos de aceleração. Atrair startups e incentivá-las. Os próprios bancos são um bom exemplo: começaram ignorando as fintechs, depois tomaram um susto e agora trabalham juntos”, pondera Cezar Taurion. “Não é preciso vê-las como inimigas.”

Guilherme Ximenes, do Banco Inter

Aceleradoras como a Startup Farm são outro exemplo de união de grandes companhias para estimular o empreendedorismo. Visa, IBM e o escritório Baptista Luz Advogados são patrocinadoras do projeto, que passou pelo Cubo e hoje reside no Campus do Google em São Paulo, e já acelerou até o momento 263 empresas.

“Precisamos que as corporações passem a adquirir startups”, explica Allan Leite, embora primeiro elas precisem “saber o que querem com este mercado, se [o investimento] está alinhado aos objetivos. Pode ser uma iniciativa mais pontual, como contratar.”

Comprar produtos e serviços de startups não é tão simples quanto parece: boa parte delas, por serem empresas novas e pequenas, não passariam em processos criteriosos de compliance. Além disso, boa parte dos departamentos de TI ainda não as veem como confiáveis. “As grandes companhias precisam entender que trabalhar com startups tangibiliza a Transformação Digital. Nosso esforço é no sentido de permitir novas formas de contratação, criar projetos diferentes para depois colher resultados”, propõe Flávio Pripas.

  1. Capital

A opinião é unânime: o custo do capital no Brasil é alto. Com juros muito elevados, a atividade especulativa é muito mais vantajosa para quem tem dinheiro a investir do que os riscos representados pelas startups. Apesar disso, o investimento anjo no Brasil fechou o ano passado com R$ 850 milhões, 10% a mais do que em 2015. Poderia ser muito mais.

Os perfis de investimento variam muito: há pessoas físicas interessadas em fazer pequenos aportes, investidores anjos e grandes fundos. O caminho para chegar passa por participar de competições, frequentar coworkings e hubs, conhecer outros empreendedores. Traduzindo, conversar.

Rafael Ribeiro, da ABS

Outro ponto fundamental é ter um bom projeto. “Algumas startups não tem produto, ainda não vendem nada, mas querem R$ 1 milhão, sem saber se as pessoas querem o que vão vender. Para levantar dinheiro é preciso justificar esses números”, explica Rafael Ribeiro, da ABS.

Apesar das dificuldades, no geral os especialistas concordam que o capital no Brasil para startups existe e está disponível para bons projetos. A grande maioria, no entanto, não atende os requisitos dos investidores. A Redpoint Ventures, por exemplo, recebe 10 mil solicitações, mas investe efetivamente em pouco mais de 10 empresas anualmente.

Conseguir investimento depende, além de um ótimo projeto, de persistência. “O Airbnb teve 50 ‘nãos’ antes do primeiro ‘sim’, segundo um dos fundadores. As primeiras respostas serão ‘não’. É preciso ser persistente”, diz Taurion.

  1. Regulação

Startups não são como quaisquer outras empresas. Apesar do potencial de escala das soluções que desenvolvem, elas operam sob um risco altíssimo de fracasso. A alta carga tributária, os imbróglios burocráticos na hora de abrir ou fechar uma empresa e a regulação complexa para obtenção e aplicação de capital são problemas apontados pelas empresas no Brasil.

Para Allan Leite, o governo tanto atrapalha como ajuda o ecossistema. A burocracia, diz, mostra um governo incapaz de lidar com um mercado tão dinâmico, o que acaba inibindo a vinda de capital estrangeiro para investir em startups no País, além de criar “uma reserva de mercado não sadia”. No entanto, o executivo acha que o governo acordou, e apesar de ainda desconhecer o setor começou a agir de forma incipiente.

Existem projetos de lei no Congresso que tratam de não tributação de investimentos-anjo, e recentemente a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou uma norma que regulamenta operações de crowdfunding, ampliando a segurança jurídica para quem recebe e participa de financiamentos coletivos. Empresas com receita anual de até R$ 10 milhões agora podem lançar campanhas na internet.

“Seria injusto dizer que o governo não se movimenta. Há várias iniciativas de fomento espalhadas pelo Brasil e ele tem ajudado muito nesse processo”, pondera Rafael Ribeiro. O Porto Digital é uma dessas iniciativas, diz André Araújo, em que setor privado, academia e governo trabalham “lado a lado de forma a conduzir uma política de Estado. Dessa forma conseguimos passar para o empreendedor o melhor que o Poder Público pode entregar.”

Para Flávio Pripas, a burocracia e as dificuldades fazem “parte do jogo”, e é natural que os órgãos reguladores corram atrás do prejuízo. É papel das empresas buscar melhorias e lidar com o ambiente, diz. “Para mim a grande dificuldade hoje é o ciclo econômico. Talvez um ambiente mais estável estivesse promovendo mais as empresas”, reflete.

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