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Fisco aumenta carga tributária para SaaS, alertam especialistas

Especialistas do Gaia Silva Gaede Advogados alertam que tributos subiram a 39,63% depois das últimas interpretações da Receita Federal sobre SaaS. O patamar anterior era no máximo 5,38%
Fisco aumenta carga tributária para SaaS, alertam especialistas

Os ajustes realizados pelo governo federal para compensar a baixa arrecadação oriunda do desaquecimento da economia estão atingindo o setor de TI. Por meio de duas determinações recentes da Cosit (Coordenação-Geral de Tributação), vinculada à Receita Federal, o Fisco aumentou a carga tributária do setor. As medidas atingem especialmente o cloud computing, , que ganhou uma carga tributária extra de 34,25%, aponta Georgios Theodoros Anastassiadis, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, especializado no setor.

“Se exatamente o mesmo software, vendido em larga escala, for adquirido para consumo próprio via download, ao invés da nuvem, não haverá incidência do IRRF, da CIDE, do PIS-Importação e da Cofins-Importação, conforme entendimento do próprio Fisco”, Georgios Theodoros Anastassiadis

Conforme a Solução de Consulta 191/2017, na qual a Cosit responde a questionamentos de clientes sobre a remuneração a fornecedores estrangeiros de Software as a Service (SaaS), pelo qual os usuários acessam o software diretamente na nuvem, ou seja, sem download, incidirá sobre “as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas ao exterior” 15% de Imposto de Renda e 10% a título de CIDE, além de 9,25% de PIS/Cofins-Importação.

A Cosit é o órgão que reúne todas as atividades de interpretação da legislação tributária no âmbito da Receita Federal. É a primeira vez que a entidade se manifesta sobre o SaaS, um tema relativamente novo no universo da TI e ainda sem legislação específica no País. Anteriormente o tributo vinha incidindo, para consumo próprio, apenas o IOF/Câmbio de 0,38% e o ISS entre 2% e 5% – a variação é de acordo com o município onde está estabelecido o usuário.

De acordo com Anastassiadis, esse entendimento é um contrassenso. “Se exatamente o mesmo software, vendido em larga escala, for adquirido para consumo próprio via download, ao invés da nuvem, não haverá incidência do IRRF, da CIDE, do PIS-Importação e da Cofins-Importação, conforme entendimento do próprio Fisco”, argumenta.

Especialista em Direito Tributário, o advogado explica que, segundo essa interpretação, a Cosit está considerando a contratação de software na nuvem como uma prestação de serviços técnicos e conferindo uma tributação muito mais onerosa em virtude do meio de acesso do programa, o que pode ser questionado pelo contribuinte. “Além disso, também não há transferência de tecnologia no acesso e uso de software na nuvem, na medida em que não há abertura de seu código-fonte, e, por isso, não poderia incidir a CIDE”, comenta o advogado.

Em outro entendimento, desta vez a Solução de Divergência 18/2017, a Cosit também interpreta que deve incidir 15% de IR sobre “as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a residente ou domiciliado no exterior em contraprestação pelo direito de comercialização ou distribuição de software, para revenda a consumidor final”, o que implicará muito provavelmente em aumento no preço dos softwares, já que certamente os distribuidores repassarão o custo desse IR ao consumidor final.

“Decisão do STF, de 1998, separou os softwares em três categorias: o de prateleira, que é aquele comercializado em larga escala nas lojas, sites e agora também na nuvem; sob encomenda, contratado de acordo com necessidades específicas dos clientes; e customizado, aquele de larga escala que sofre alterações para atender necessidades específicas. Outras soluções da Receita, e também uma portaria antiga do Ministério da Fazenda, já definiram que não incide IR sobre software de prateleira, pois é considerado mercadoria e sobre mercadoria não há IR”, explica Anastassiadis.

“Essa solução da Cosit mudou todos os entendimentos anteriores, o que é muito questionável juridicamente. Por outro lado, caso o contribuinte não tenha intenção de questionar esse posicionamento, entendemos que ele somente poderá surtir efeitos para frente, na medida em que se trata de uma mudança de critério jurídico, conforme prevê o artigo 146 do Código Tributário Nacional”, complementa o advogado.

Gastos maiores

Para Maurício Barros, também sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados e doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP – Universidade de São Paulo, as novas tecnologias estão sempre pendentes entre a falta de legislação específica e os conflitos de competência tributária no país, o que é agravado com a demora com que os poderes legislativo e judiciário se pronunciam sobre essas questões, no intuito de esclarecer a sua correta tributação.

Segundo o advogado, o quadro leva à extrema situação em que Estados e Municípios terminam por cobrar, respectivamente, ICMS e ISS sobre as mesmas operações, o que é totalmente vedado pela Constituição Federal.

“Um exemplo claro dessa situação é a tributação do licenciamento de softwares, que atualmente conta com normas exigindo a incidência tanto do ISS quanto do ICMS, não obstante a lei complementar apontar que somente o ISS pode ser cobrado. Nesse ponto, além de não observar o que determina uma lei complementar de caráter nacional quanto à tributação do software, alguns Estados ainda querem cobrar ICMS sobre as operações envolvendo o download de softwares e de outros conteúdos, em que não há qualquer circulação de bem corpóreo, bem como sobre a utilização de software na nuvem, em que sequer há uma aquisição que possa ser considerada ‘definitiva’.  Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal ainda não definiu a tributação sobre o download, em ação que já tramita há mais de 18 anos, tempo incompatível com o rápido avanço da tecnologia”, ressalta Barros.

Tudo isso causa muita insegurança nos negócios e gastos às empresas que operam nesse mercado para lidar com toda a engenharia tributária nos diversos âmbitos governamentais, assegura Barros. “O que faz com que operar no Brasil seja muito mais difícil do que em outros países”, enfatiza ainda o advogado, observando que, na maioria dos países, incluindo na vizinha Argentina, a tributação do consumo é definida com a aplicação de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) uniforme, ao invés do fatiamento que ocorre no Brasil, em que as três esferas de poder cobram IVAs distintos e que não se comunicam (União Federal: IPI, PIS e Cofins; Estados: ICMS; Municípios: ISS).

Como proceder

Com relação às remessas ao exterior, os advogados do Gaia Silva Gaede apontam dois caminhos para as empresas, diante dos novos entendimentos da Cosit, e todos têm a Justiça como destino final. Para as companhias mais arrojadas e que conseguirem que os bancos, os responsáveis pelas remessas ao exterior, não retenham os tributos cobrados, a saída será enfrentar o Fisco caso ele decida pela cobrança, que ficará mais salgada, com multa de 75% e juros (Selic) sobre o valor não pago. “Se for acionado pelo Fisco, o contribuinte poderá impugnar a autuação e ganhar no CARF ou nos tribunais judiciais”, diz Anastassiadis.

Para as companhias mais conservadoras, a saída é entrar com medida judicial preventiva no Judiciário para não pagar os tributos que entende indevidos. Os advogados lembram ainda que o aumento de tributos invariavelmente impacta os preços finais, ou seja, quem vai pagar a conta no final é sempre o consumidor.

“Já no tocante à tributação interna, tendo em vista recente decisão do STF que consolidou o entendimento de que os serviços apontados na lista anexa à Lei Complementar 116/03 devem ser tributados pelo ISS ainda que não configurem “obrigações de fazer”, o mais indicado é recolher o imposto municipal sempre que o serviço estiver listado, ainda que exista o risco de os Estados também exigirem o ICMS nos casos em que haja alguma circulação de conteúdos ou mesmo atividades que englobem comunicação (já que o ICMS também incide sobre os serviços de comunicação). No caso de serviços não listados, é bastante razoável que o contribuinte nada recolha, desde que a operação não configure comunicação e sem prejuízo do risco de autuação em função de interpretações extensivas das autoridades fiscais. Caso o contribuinte não queira correr riscos, o ideal é que busque uma medida judicial para amparar seu direito e obter uma definição quanto à correta tributação de sua atividade”, finaliza Barros.

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